A FÁBRICA DE SANTOS
Novidade no caminho para os altares
Em dezembro, Bento XVI introduziu uma nova variação na prática seguida para promulgar os decretos de aprovação dos milagres, do martírio e das virtudes heróicas de bem-aventurados e servos de Deus. Nestas páginas, ela é explicada pelo prefeito da Congregação para as Causas dos Santos
Entrevista com o cardeal José Saraiva Martins de Gianni Cardinale
Bento XVI com o cardeal José Saraiva Martins, recebido em audiência em 19 de dezembro de 2005
Mais tarde, antes do Natal, Bento XVI introduziu uma nova variação na prática seguida para promulgar os decretos de aprovação dos milagres, do martírio e das virtudes heróicas de bem-aventurados e servos de Deus. Também nesse caso, na realidade não se trata tanto de uma inovação, mas de um retorno ao passado. Para esclarecer essa nova prática, 30Dias fez algumas perguntas ao cardeal José Saraiva Martins, português, desde 1998 prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.
Eminência, em 19 de dezembro passado o senhor foi recebido pelo Papa, que, na ocasião, autorizou sua Congregação a promulgar os decretos que dizem respeito a 19 causas de beatificação e canonização. Foi uma audiência privada. Uma novidade, com relação à prática seguida durante o pontificado anterior...
JOSÉ SARAIVA MARTINS: De fato, com João Paulo II esse encontro havia adquirido características de particular solenidade. Previa-se a leitura de uma saudação formal do cardeal prefeito ao Papa e os decretos em questão eram lidos perante um grande grupo de participantes. Normalmente, eram também convidados para a audiência os postuladores e proponentes das causas, os bispos locais ou os responsáveis locais das ordens religiosas dos candidatos, além de seus familiares, quando ainda vivos. Lembro-me de que na audiência que nos foi concedida por João Paulo II em 20 de dezembro de 2004, a última com a velha prática, estavam presentes mais de 150 pessoas.
Inclusive alguns embaixadores...
SARAIVA MARTINS: Sim, da leitura dos decretos, precedida pela audiência privada ao cardeal prefeito, participavam às vezes também membros do corpo diplomático que fizessem essa solicitação.
O papa Bento XVI decidiu simplificar...
SARAIVA MARTINS: O atual Pontífice, com a sobriedade que o distingue, decidiu mudar a prática seguida nos últimos anos.
E voltar à prática usada no passado...
SARAIVA MARTINS: Antes, participavam da leitura dos decretos “coram Sanctissimo” [diante do papa, ndr.] não apenas o prefeito da Congregação e os prelados superiores do Dicastério [o secretário, o subsecretário, o promotor da fé e o relator-geral, ndr.], mas também os postuladores das causas interessadas. Já hoje tudo se resolve com a audiência privada do Papa ao cardeal prefeito.
E o que acontece nesse tipo de audiência?
SARAIVA MARTINS: Acontece que o Papa dá sua aprovação ao dispositivo dos decretos preparados pela nossa Congregação. Decretos que podem dizer respeito à aprovação de milagres atribuídos à intercessão de servos de Deus cuja causa de beatificação está em andamento ou de bem-aventurados cujo processo de canonização está em andamento. Ou então decretos que dizem respeito ao martírio de candidatos à honra dos altares. Ou ainda decretos relativos à proclamação das virtudes heróicas dos candidatos.
O cardeal José Saraiva Martins preside a celebração para a beatificação do cardeal Clemens August von Galen, em 9 de outubro de 2005
SARAIVA MARTINS: Cerca de uma semana antes, nossa Congregação faz chegar ao Santo Padre as chamadas “folhas de audiência”, uma para cada decreto do qual se requer a aprovação. Chamam-se folhas de audiência, mas na realidade são pequenos fascículos de 4, 5 laudas cada um, nos quais se ilustra sinteticamente o itinerário da causa de beatificação a que pertencem os decretos em questão. Assim, o Santo Padre tem tempo para estudar cada fascículo antes de receber o cardeal prefeito em audiência.
Uma vez que o Papa deu sua aprovação aos decretos, o que acontece?
SARAIVA MARTINS: A Congregação redige os decretos propriamente ditos na língua oficial da Igreja, que é o latim, e os envia à Secretaria de Estado, que providencia para que sejam publicados nas Acta Apostolicae Sedis, o boletim oficial da Santa Sé. Realmente, em cada fascículo das Acta um bom número de páginas é dedicado aos decretos da nossa Congregação.
Portanto, não é o Papa quem assina os decretos em questão?
SARAIVA MARTINS: Os decretos “super miraculo”, “super martyrio” ou “super virtutibus” são assinados pelo cardeal prefeito e pelo arcebispo secretário da Congregação. A assinatura do Papa aparece, por sua vez, nas “cartas decretais” em que são proclamados os novos santos, ao passo que as “cartas apostólicas” para a proclamação dos novos beatos são assinadas “de mandato Summi Pontificis” pelo cardeal secretário de Estado.
Eminência, uma última pergunta: pode acontecer que o Papa não dê a aprovação aos decretos aprontados pela Congregação?
SARAIVA MARTINS: Pode acontecer.