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EDITORIAL
Extraído do número 01/02 - 2006

Itália, Santa Sé, EUA


Não foi fácil explicar aos americanos o que era a Democracia Cristã italiana; por outro lado não tinham dificuldade em compreender a essência dos análogos partidos da Alemanha, do Chile e de outros países. Em Roma há o Papa e não era fácil pensar que um movimento cristão prescindisse desse fato


Giulio Andreotti


Pio IX: foi o primeiro pontífice que pisou em território americano

Pio IX: foi o primeiro pontífice que pisou em território americano

Não foi fácil explicar aos americanos o que era a Democracia Cristã italiana; por outro lado não ti­nham dificuldade em compreender a essência dos análogos partidos da Alemanha, do Chile e de outros países. Em Roma há o Papa e não era fácil pensar que um movimento cristão prescindisse desse fato. Em algumas universidades foram também encontrados antigos documentos do tempo do Estado Pontifício e da República Romana de 1849, quando o comandante de um navio americano atracado no porto italiano de Gaeta recebera a bordo – junto com o Rei de Nápoles – Pio IX exilado, criando um incidente diplomático.
Para um esclarecimento ideológico, Ciriaco De Mita, Secretário da DC, organizou três mesas-redondas sobre o tema, com presidência mista ítalo-americana. Em Nova York, eu e o ex-Presidente Nixon deveríamos ter sido os relatores. Mas, por uma infeliz coincidência, sem sabê-lo, a sede da DC de Roma já tinha delegado a organização à Agência de Relações Públicas que, tempos atrás, montara a campanha contra Nixon, obrigando-o à demissão. Por isso a terceira mesa-redonda foi cancelada e eu pude apenas, no almoço com Nixon e com Haig, esboçar as linhas de um debate, que de fato, nunca se realizou.
Nos últimos tempos, não mais em relação à Democracia Cristã, mas a um tema ainda mais profundo, percebe-se a necessidade de ajudar os americanos a nos entender. Refiro-me às matérias que publicam, relativas às freqüentes polêmicas sobre a posição por assim dizer filosófica do Estado italiano. Não podemos culpá-los de dificuldade de compreensão se mesmo aqui há disputas e polêmicas, confundindo-se laicidade e laicismo. Apesar de a Constituição italiana ser muito clara: (art. 7) “O Estado e a Igreja Católica são, cada um na sua própria ordem, independentes e soberanos. Suas relações são regulamentadas pelos Pactos Lateranenses. As modificações dos Pactos, aceitas por ambas as partes, não requerem procedimento de revisão constitucional”.
A votação desse artigo (25 de março de 1947, na Assembléia Constituinte) deveria concluir definitivamente as disputas ligadas ao processo italiano de unificação, que por várias décadas (depois da “Tomada de Roma” em 20 de setembro de 1870) vira o Vaticano em posição de histórico protesto, com o convite aos católicos de não participarem à vida pública (“nem eleitos nem eleitores”).
A hostilidade civil para com a Igreja deve-se principalmente, mas não somente a esse motivo histórico. E se é freqüentemente citado o grande filósofo Benedetto Croce pelo seu ensaio “Perché non possiamo non dirci cristiani” (Por que não podemos não nos dizer cristãos) , é também verdade que o próprio Croce no seu diário ataca os chamados “padrecos” que politicamente adversavam os liberais.
Recentemente não têm sido poucos os políticos que polemizam contra o chamado mundo católico italiano, acusando-o de invasões de campo porque se alia com firmeza na defesa dos direitos da vida. Infelizmente nesta matéria não há sintonia – nem aqui e nem em outros lugares – entre progressos científicos e posições filosófico-morais. Se, de fato, a ciência afirma que há vida desde o momento da procriação, deveria ser proibido o aborto que acaba com essa vida. Sustentar isso acarreta a acusação de clericais. Cito também, por analogia, o tema da família que é baseada no matrimônio. Já os divórcios e as uniões de fato tinham causado um forte abalo ao modelo da Constituição. Mas recentemente o pedido de legitimar as uniões entre homossexuais (nas trilhas das decisões do Governo de Zapatero da Espanha) estão no centro das manipulações clamorosas de um modernismo que se contrapõe a todas as regras tradicionais.
Para remover as dificuldades de um acordo militar, muito difusas no âmbito católico e levar à aprovação do Pacto Atlântico, foi determinante a audiência de Pio XII ao nosso embaixador em Washington, Alberto Tarchiani. Explicou que apenas assim se desencorajava e se bloqueava a agressividade de Moscou
Já os contrastes sobre a escola são de outro gênero, criando-se confusão principalmente com a divisão em apenas duas categorias: Escola Pública e Escola Privada. Em vez disso dever-se-ia distinguir a Escola Católica – e por analogia também os Liceus israelitas – dos Institutos não públicos criados apenas para finalidades comerciais.
Todavia a Escola Católica – e deveria reivindicá-lo – há um grande mérito histórico na formação dos italianos. Quando o Estado não tinha – e se recusava ter – institutos públicos de formação profissional, nasciam na região do Piemonte as escolas de artes e ofícios criadas pelos Salesianos e Padres Josefinos. E não é por acaso que a Itália industrial tenha nascido no norte.
Agora não falo das posições da Santa Sé sobre as questões internacionais, nas quais prevalecem uma objetiva convergência com as posições italianas. Citarei uma, exemplar, o modelo europeu de Segurança e Cooperação ao Desenvolvimento que associa o Velho Continente aos Estados Unidos da América e Canadá (Ato Final de Helsinque 1975 e Tratado para a Segurança Européia de 1990). A Santa Sé participou oficialmente à iniciativa, muito importante.
Mas também quero acrescentar uma recordação histórica, que documento no meu Diário de 1949, que está para ser publicado. Para remover as dificuldades de um acordo militar, muito difusas no âmbito católico e levar à aprovação do Pacto Atlântico, foi determinante a audiência de Pio XII ao nosso embaixador em Washington, Alberto Tarchiani. Explicou que apenas assim (com a superioridade militar sobre a União Soviética) se desencorajava e se bloqueava a agressividade de Moscou.
Que fosse um pacto de paz ninguém pode contestar. A União Soviética caiu sem que a Otan tenha tido que lançar um tiro de canhão.
O discurso deveria se ampliar, mas por enquanto limito-me a esses acenos para impedir que no exterior seja-se prisioneiros de uma desinformação essencial sobre o comportamento da Itália e, especificamente, dos católicos italianos.


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