REPORTAGEM. A presença árabe no Brasil
Uma ponte entre a América Latina e o Oriente Médio
Hoje os brasileiros de origem árabe são doze milhões. Têm origens libanesas e sírias. Vivem principalmente no Estado de São Paulo e no sul do país. Há cerca de 50 mesquitas e numerosos centros islâmicos, mas a maioria dos brasileiros árabes é católica
de Paolo Manzo
Primeira Cúpula dos Países Árabes e América do Sul, realizada em Brasília de 10 a 12 de maio de 2005, a bandeira palestina sendo hasteada diante da sede do encontro no Blue Tree Hotel de Brasília
Como explicar que cerca de 10% de toda a imigração estrangeira no Brasil entre os anos de 1870 e 1900 fosse árabe? A terceira, depois da italiana (que chegou a picos de 60%) e a portuguesa? Certamente ajudou o fato de o imperador Pedro II falar corretamente o árabe, e de ter visitado Beirute e Damasco em 1876, sustentando que “quem construiu a Damasco dos milênios, berço da civilização, nos ajudará a construir o Brasil”. Substancialmente, as relações já fortes entre o mundo árabe e o Brasil tiveram uma virada, 130 anos atrás, devido a uma precisa estratégia. Com efeito, depois da visita imperial, intensificou-se notavelmente o fluxo migratório árabe para o Brasil e os sírios-libaneses iniciaram a considerar o trajeto Beirute-Santos-São Paulo como um dos mais atraentes para mudar vida e fazer crescer suas fortunas. As coisas não mudaram nem mesmo depois da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, quando já estava consolidado o costume de enviar os chamados “atos de chamada”, ou seja as cartas que os árabes já estabelecidos no Brasil enviavam aos seus amigos e parentes com a passagem de navio só de ida, para que viessem ao seu encontro.
Hoje calcula-se que os cidadãos brasileiros de origem árabe sejam mais de 12 milhões. A comunidade mais numerosa é constituída pelos libaneses (7 milhões), seguida pelos sírios (4 milhões) e pelos palestinos, de mais recente imigração. Enquanto é bem menor a presença de brasileiros de origem egípcia, marroquina, jordaniana e iraquiana. Geograficamente a comunidade árabe-brasileira “está na sua grande maioria estabelecida no Estado de São Paulo e nos Estados do sul, principalmente Paraná”, explica Tuma. “Na realidade, hoje, a maior parte da população libanesa mora no Brasil. Sobre isso é importante fazer um comentário sobre a Tripla Fronteira, o território onde estão as três cidades de fronteira, ou seja, a argentina Puerto Iguazú, a paraguaia Ciudad del Este e a brasileira Foz do Iguaçu, que pertence ao Estado do Paraná e na qual vivem 12 mil árabes-brasileiros, quase todos de origem libanesa e dedicados ao comércio. Depois de atentados de 11 de setembro de 2001, esta área evidenciou-se nas crônicas da mídia internacional pelo apoio que os habitantes teriam dado ao terrorismo internacional, dizia-se ao Al Qaeda. Mas até hoje nunca apareceu nenhuma prova, e daquilo que pude observar in loco em 2003 e em 2005, a única atividade ilegal é o contrabando muito difuso via Paraguai.
O presidente Lula durante uma sessão da Cúpula
Embora sejam numerosos, os árabes-brasileiros que falam a língua do país de origem são apenas 240 mil, cerca de 2% do total. Entre as muitas explicações dadas pelos estudiosos, a mais freqüente é que as terceiras e quartas gerações de hoje estão perfeitamente integradas na cultura brasileira e que, além das tradições culinárias e de uma propensão ao comércio tipicamente médio-orientais, escolheram o afastamento da língua de origem para afirmarem “sem meios-termos” o orgulho de considerarem-se “brasileiros de carteirinha”. Todavia, isso não impede que muitas palavras do português-brasileiro tenham uma clara origem árabe.
Outro dado a ser considerado é que, ao contrário do que acontece na Europa, a maior parte dos árabes-brasileiros não é de religião muçulmana, mas católica. Conforme o último recenseamento nacional de 2000, que subdividiu a população brasileira por religião, dos 180 milhões de brasileiros, apenas 27.239 declararam-se seguidores do islã. Considerando que em todo o Brasil há 50 mesquitas e cerca de 80 centros islâmicos, provavelmente o dado seria subestimado e, talvez, tenha razão a Federação Islâmica Brasileira ao sustentar que os muçulmanos latu senso (ou seja, incluindo os não-praticantes) chegam a cerca de 1 milhão e meio. De qualquer modo a percentual de muçulmanos sobre o total de árabes-brasileiros é muito baixa, cerca de 12,5%. Isso se explica com o fato de que a grande maioria dos que chegaram no final do século XIX era de religião greco-ortodoxa, maronita e copta, e que depois se adaptou ao predomínio da religião católica. Segundo os especialistas, o Brasil é um exemplo positivo em matéria de convivência ecumênica: “Com efeito”, explica Tuma, “este é o único país do mundo onde os fiéis de várias religiões – e são muitas – convivem tranqüilamente. Aqui, os descendentes das várias etnias, sejam africanas, árabes, européias ou asiáticas, unem-se em matrimônios mistos em um ritmo impressionante”.
Um ponto de referência para aprofundar o tema “Árabes no Brasil” é a sede da Agência de Notícias Brasil-Árabe, situada na avenida Paulista em plena São Paulo. Do 18º andar, onde encontra-se a redação da Anba, o acrônimo com o qual é chamada a agência, tem-se uma visão real das estreitas relações econômicas que unem Brasília aos 22 membros da Liga Árabe, começando pelas exportações que, no mês de outubro, bateram todos os recordes, superando os 730 milhões de dólares americanos. Um aumento de 57% com relação a outubro de 2005, segundo os dados apresentados pela Secex, a Secretaria de Comércio Exterior.
O “motor” da exportação Brasil-Países Árabes é o setor do agrobusiness, com um faturamento mensal de 540, 3 milhões de dólares, e com um crescimento de 85% em relação a outubro de 2005. A estratégia agressiva para com esses mercados é bem explicada em uma frase de Antônio Sarkis Jr., presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira: “A produção brasileira de açúcar deverá ocupar um espaço cada vez maior nos negócios com os árabes, substituindo a produção européia. Principalmente agora que a Organização Mundial do Comércio limitou a exportação de Bruxelas neste setor a 1,4 milhões de toneladas”. Os números parecem dar-lhe razão, se confirmar que foi justamente a exportação do “produto açúcar” o que mais cresceu (170%), chegando a um valor de negócios de mais de 325 milhões de dólares. Analisando particularmente os principais mercados que absorveram a totalidade das exportações brasileiras, o maior crescimento percentual provém do Iraque, com mais de 229% em relação ao mês de outubro de 2005, ou seja, cerca de 38 milhões de dólares em valor absoluto. Segue a Argélia com 53,5 milhões (+ 188%), os Emirados Árabes Unidos com 176,8% (+ 172%), o Egito com 107 milhões (+ 61,3%) e a Arábia Saudita com 147,6 milhões (+18,7%). De janeiro a outubro de 2006, as exportações do Brasil para os países árabes cresceram 22,9% em relação a 2005, chegando assim a um patamar de 5,26 bilhões de dólares. Aqui também é recorde.
No campo da produção industrial vale a pena evidenciar a entrega de 15 aviões à Saudi Arabian Airlines por parte da Embraer, e a assinatura de contratos de encomenda análogo por parte da produtora brasileira também à Egypt Air e Royal Jordanian. No que se refere à importações, essencialmente composta de petróleo e seus derivados, no mesmo período o crescimento foi inferior (+ 8,3%), num valor total de 4,65 bilhões de dólares.
Nos últimos anos, as relações Brasil-Países Árabes reforçaram-se muito também politicamente. Principalmente a partir da primeira viagem oficial do Presidente Lula de 3 a 10 de dezembro de 2003 à Síria, Líbano, Emirados Árabes Unidos, Egito e Líbia
Nos últimos anos, as relações
Brasil-Países Árabes reforçaram-se muito também
politicamente. Principalmente a partir da primeira viagem oficial do
Presidente Lula de 3 a 10 de dezembro de 2003 à Síria,
Líbano, Emirados Árabes Unidos, Egito e Líbia. Uma
visita muito importante para dar impulso às relações
comerciais entre os dois blocos mas, como explicou o próprio
presidente a uma centena de empresários na cidade do Cairo, decisiva
porque “as negociações com os países do G-8
são difíceis, até mesmo dentro da
Organização Mundial do Comércio. Todavia, se
países em desenvolvimento como Egito e Brasil unirem-se, a
concorrência com os países desenvolvidos será mais
equilibrada...”. E foi o aconteceu depois de alguns meses, com a
entrada do Egito no G-20, o grupo de países emergentes criado com
grande dedicação pelo Itamaraty e o presidente Lula e que se
propõe a negociar partindo de uma posição mais forte
com os países ricos, principalmente nas questões comerciais.
Uma ulterior etapa fundamental do ponto de vista político foi a
primeira Cúpula entre os doze países da América do Sul
e os 22 países membros da Liga Árabe, não a caso,
realizada em Brasília, em maio de 2005. O encontro tinha como
objetivo declarado o de reforçar as relações
econômicas já existentes e, principalmente, o de incluir o
mundo árabe no quadro estratégico global sul-americano do
presidente brasileiro. Na ocasião, o Ministro do Exterior brasileiro
Celso Amorim, revelou que o Mercosul – formado pela Argentina,
Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela – iria assinar um acordo
comercial com a Comunidade de Cooperação do Golfo, composta
pela Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes, Kuweit,
Omã e Qatar, ou seja os países árabes mais ricos da
região. Foi o que aconteceu pontualmente na manhã de 10 de
maio de 2005.
Hoje, um ano e meio depois, é o próprio Amorim que explica a 30Dias a importância desta nova relação: “A cooperação com os países árabes instituída pela Cúpula de maio de 2005 foi um elemento totalmente novo na política brasileira e, diria, também na geopolítica mundial. Esta cooperação certamente precisará de muito tempo para que seja consolidada mas, o que é certo, é muito inovadora para não dizer ‘revolucionária’”. No entanto, para a primavera de 2008 já está fixado no Marrocos a segunda Cúpula entre os dois blocos.