A amizade aprendida na escola de Santo Agostinho
do cardeal Tarcisio Bertone, S.D.B.

Eu tenho recordações belíssimas de meu trabalho ao lado do cardeal Ratzinger já na época em que era consultor da Congregação para a Doutrina da Fé, portanto desde a década de 1980, antes ainda de me tornar secretário desse organismo. Em primeiro lugar, gostaria de sublinhar a clareza de sua doutrina, uma nobreza de linguagem sempre elevada, mas, ao mesmo tempo, numa eficaz capacidade de persuasão. Em segundo lugar, sua indefectível amizade, uma verdadeira força, que ultrapassa a volubilidade dos homens. Como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Ratzinger costumava dizer que sua tarefa era defender a fé dos simples das doutrinas ambíguas e errôneas dos chamados sábios deste mundo.
Em 15 de setembro de 2006, Bento XVI me chamou a colaborar com ele como seu secretário de Estado. Ao iniciar essa árdua tarefa, o que me dava coragem eram duas certezas: seria guiado pela Divina Providência, e poderia contar com a comunhão profunda com o Santo Padre e com sua genuína confiança. Uma comunhão que corrobora o compromisso a serviço da Igreja e da comunidade internacional – e portanto da dignidade humana e da pacífica convivência entre os povos – e que se traduz em leal e fiel colaboração, reforçada pelo espírito sacerdotal e pela caridade pastoral que deve sempre animar todas as nossas atividades.
De muito bom grado, acolhi o convite a oferecer uma contribuição minha a esta edição de 30Dias, dedicada ao octogésimo aniversário do Santo Padre Bento XVI. Isto me dá a possibilidade de exprimir, também por meio destas linhas, os profundos sentimentos de gratidão que alimento para com ele.
Bento XVI une em si de modo admirável o papel de Mestre e de Pastor. Isso se arraiga, em profundidade, na singular harmonia com a qual, a meu ver, se conjugam em sua alma Verdade e Amor, os dois inseparáveis “nomes” de Deus que se entrelaçam um com o outro e se iluminam reciprocamente. Se esse conúbio entre doutrina e caridade pastoral é próprio de qualquer ministro ordenado da Igreja, ele brilha com maior esplendor naqueles homens de Deus que, por especial dom do Espírito Santo, chegam a realizar uma síntese robusta no nível do pensamento, que se irradia conseqüentemente no plano existencial.

Bento XVI e Bartolomeu I cumprimentam os fiéis da sacada do Patriarcado, em Istambul, em 30 de novembro de 2006
Há ainda uma outra e complementar chave de leitura da personalidade do Santo Padre que não pode ser negligenciada: o nome que escolheu, Bento. Quem de fato, mais que São Bento de Núrsia, encarna essa síntese entre contemplação e ação, que ofereceu uma resposta válida à grande crise da passagem entre o Império Romano e o que viria a ser a Europa? Hoje estamos atravessando uma outra longa transição de época, que culminou de modo trágico na Europa no século XX e que se orienta para um resultado ainda não definido, mas decerto não mais eurocêntrico e sim global. O Senhor se serve de muitos de seus humildes e fiéis servidores para guiar os destinos dos homens de acordo com seu desígnio de salvação; entre esses há gigantes como os pontífices João XXIII, Paulo VI e João Paulo II, mas também santos que viveram com grande simplicidade, como a bem-aventura Madre Teresa de Calcutá, Santa Faustina Kowalska, São Pio de Pietrelcina. A eles se unem inumeráveis “pedras vivas”, desconhecidas dos homens mas bem conhecidas de Deus, que firmemente fundamentadas em Cristo edificam a humanidade nova. É nesse contexto que, para o timão da barca de Pedro, depois do papa Wojtyla, que a introduziu no “vasto oceano” do terceiro milênio, Deus chamou, em 19 de abril de 2005, Joseph Ratzinger, humilde e corajoso “servidor da vinha do Senhor”, como chegou a dizer tão logo eleito, suave e forte “cooperador da verdade”, como reza seu brasão episcopal. Fazemos votos sinceros e rezamos para que os frutos de seu pontificado sejam realmente abundantes, mas já agora saboreamos suas primícias e por elas louvamos ao Senhor.