Dom Antonio Rosmini
Para falar de Rosmini e de sua atualidade na Igreja contemporânea, talvez a analogia mais apropriada seja com os Padres dos primeiros séculos da Igreja, nos quais a agudeza e a vastidão de interesses especulativos uniam-se ao ardor evangélico dos pastores de almas
de Francesco Cossiga

Rosmini aos vinte anos, num retrato de Giuseppe Craffonara
Todavia, tendo-me aproximado de Rosmini em diferentes fases de minha vida, e tendo sido de certa forma contagiado por ele, procurarei evidenciar alguns aspectos que me parecem fazer dele um autêntico profeta, ao qual coube o destino de tantos homens iguais a ele, dotados de uma visão de longo alcance: ser incompreendido e até perseguido, em vida, mas também após a morte.
Quando queremos reunir num só olhar sintético todo o testemunho de vida e de pensamento de Rosmini, torna-se difícil encontrar comparações adequadas com outros santos. A história moderna e contemporânea nos oferece muitas figuras eminentes em algum campo do pensamento e da ação, mas nenhuma que os tenha desenvolvido com a amplitude, profundidade e completitude de Rosmini. Na história medieval, podemos aproximá-lo de santos como Bernardo, Anselmo, Boaventura, Tomás. Mas talvez seja mais apropriada a analogia com os Padres dos primeiros séculos da Igreja, nos quais a agudeza e a vastidão de interesses especulativos uniam-se ao ardor evangélico dos pastores de almas, intelecto, coração e ação, ciência e santidade levadas aos limites das capacidades humanas: Orígenes, Agostinho, Ambrósio.
Antes de mais nada, é reveladora a profundidade dos princípios dos quais Rosmini parte, todas as vezes que pretende dar vida a alguma coisa. Há nele sempre a tendência a encontrar – em filosofia, em teologia, em moral, em política, em direito, até ao fundar seu Instituto da Caridade – uma base firme e extensa, capaz de sustentar com coerência todos os desenvolvimentos necessários que poderão ganhar vida a partir daquela semente.
Toda a sua filosofia, por exemplo, se apóia na idéia simples, mas universalíssima, do ser; a antropologia, na dignidade da pessoa humana; o direito, na solidez da justiça; a teologia, na luz natural da razão que é completada pela luz sobrenatural da graça; a moral, no dever de reconhecer o ser praticamente; a teosofia, na relação primordial entre unidade e multiplicidade do ser; o matrimônio, na plenitude e complementaridade da estima recíproca; o Instituto da Caridade, na exigência batismal de cultivar em si e com os outros o amor que vem de Deus e que é o próprio Deus; a Igreja, no desenvolvimento e remate da sociedade do gênero humano com o próprio Deus.
Tendo sua força nessas condições iniciais, Rosmini desenvolve em cerca de trinta anos um pensamento enciclopédico impressionante, quase uma “summa totius cristianitatis” (a comparação é de Michele Federico Sciacca), um rico depósito de cultura humana e cristã encerrado em cerca de cem grandes volumes. É sua herança preciosa, que ele constrói pacientemente, seguindo os impulsos da Providência, e que deixa aos contemporâneos e à posteridade como contribuição de sua passagem pela terra, ícone de seu amor pelo homem e pela sociedade. Se quisermos encontrar uma definição que mais se adapte a Rosmini, poderemos dizer que ele é o doutor da caridade universal, doctor universalis caritatis.
A finalidade pela qual ele escreve lhe foi revelada pelo papa Pio VIII numa memorável visita que lhe fez em 1829, aos 32 anos: conduzir os homens à religião mediante a razão. Era substancialmente a necessidade da época, que cedo se faria mais evidente e, hoje, adquire um sabor “profético” para os nossos tempos. De fato, estamos num momento em que os homens começam, de maneira preocupante, a se afastar de Deus em nome da razão, convencidos de que podem construir sua vida sem precisar da religião. O rompimento entre a razão e a fé se faz cada vez maior, como Rosmini confidencia a um amigo: “Os homens foram para longe, e nós precisamos ir longe para reconquistá-los”.
O aspecto da vida pública de Rosmini também pode ser julgado hoje com maior tranqüilidade, a ponto de podermos chegar a considerar realmente encerrado o conflito entre a nação italiana e a Igreja, aberto depois de 1848, e só hoje efetivamente concluído, com a beatificação de Antonio Rosmini
Concluindo, a figura de Rosmini pode vir a ser hoje uma
ajuda providencial a recuperar o homem inteiro e a dispô-lo, assim
unificado, a abrir-se à comunhão com Deus. O mundo ocidental
realizou, dentro do homem, uma progressiva dilaceração.
Primeiro, afastou-o de Deus, apagando o céu interior do
sobrenatural. Depois, mortificou sua razão, pedindo-lhe o sacrificium intellectus (niilismo).
Enfim, esvaziou sua vontade (inconsistência dos valores
éticos). Toda a obra de Rosmini tende a reacender dentro do homem o
céu do sobrenatural e a comunhão com o Deus
unitrinitário. Afinal, o homem que se apresenta diante de Deus
não é parte de um homem, mas a pessoa inteira, que não
sacrifica nem os sentidos, nem o intelecto, nem a vontade.
Só um teólogo poderia desenvolver o capítulo sobre a influência que Antonio Rosmini indubitavelmente exerceu sobre o Concílio Vaticano II, ao lado de John Henry Newman.
Nesse sentido, o aspecto da vida pública de Rosmini também pode ser julgado hoje com maior tranqüilidade, a ponto de podermos chegar a considerar realmente encerrado o conflito entre a nação italiana e a Igreja, aberto depois de 1848, e só hoje efetivamente concluído, com a beatificação de Antonio Rosmini.