A CINQÜENTA ANOS DA MORTE DO PAPA PIO XII
Pro papa Pio
Publicamos a introdução que o Secretário de Estado de Sua Santidade escreveu para o livro de irmã Margherita Marchione que reúne os estudos da religiosa em defesa da memória do papa Pacelli. A obra do Pontífice para salvar os judeus e os outros perseguidos pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial
do cardeal Tarcisio Bertone
Pio XII
Tive a oportunidade, no passado, de falar de Pio XII, o 262º sucessor de São Pedro; pude também recentemente expressar minha opinião sobre a controvérsia que cerca esse papa do século XX.
Em 25 de janeiro de 2007, apresentei com grande prazer, em seu lançamento em língua italiana, o livro I giusti (The righteous. The unsung heroes of the holocaust), do historiador judeu sir Martin Gilbert. Esse autor demonstra que as acusações a Pio XII durante a shoah são falsas, recordando as nobres ações do Pontífice e da Igreja Católica ao ajudar a salvar vidas de judeus, ao lado dos esforços de outros prestadores de socorro. Um exemplo, entre outros citados no livro, é o testemunho de Emilio Viberbi, judeu refugiado em Assis, que confirma o envolvimento de Pio XII no socorro aos judeus em institutos religiosos. Ele falava da ação pastoral do bispo Giuseppe Placido Nicolini, de Assis, “que, com o maior amor e o maior zelo, acompanhou a vontade filantrópica do Santo Padre”.
Durante a apresentação, contestei fortemente os críticos que afirmam que o Pontífice deixou de proteger os judeus durante o Holocausto. Falando da ação da Igreja, afirmei: “É claro que o papa Pacelli não era favorável ao silêncio, mas, sim, a uma palavra inteligente e estratégica, como demonstrou na radiomensagem do Natal de 1942, que enfureceu terrivelmente a Hitler. As provas disso estão nos arquivos vaticanos. [...] Pesquisas realizadas por historiadores independentes confirmam que o papa Pio XII deu passos extraordinários para salvar vidas de judeus”.
Posicionei-me mais uma vez sobre esse tema em 17 de abril de 2007, lembrando a circular da Secretaria de Estado de 25 de outubro de 1943, com a iniciais de Pio XII, que ordenava aos institutos religiosos e a todas as instituições católicas que salvassem o maior número possível de judeus. Isso foi notícia na Europa, mas não surpreendeu de modo algum as pessoas que haviam lido qualquer um dos livros de irmã Margherita Marchione. Ela entrevistou dezenas de testemunhas, que tiveram conhecimento direto desse fato e de outras instruções dadas pelo Papa.
Em meu discurso de 5 de junho de 2007, analisei atentamente a “Lenda Negra” e falei do papa Pio XII como homem de Deus, que, com sua santidade pessoal, tornou-se uma esplêndida testemunha do sacerdócio católico e do papado. Depois de ler as publicações de Pierre Blet, de Margherita Marchione, de Andrea Tornielli e de numerosos autores, posso apenas repetir minha convicção de que, por meio de suas muitas encíclicas, o papa Pio XII promulgou importantes normas doutrinais, deu novo impulso à atividade missionária e afirmou os direitos da mulher em diversos campos, inclusive no político e no judiciário.
Foi mediante uma abordagem prudente que Pio XII protegeu os judeus e os refugiados. Precisamos lembrar também que muitas vezes, durante a Segunda Guerra Mundial, o governo fascista tomou iniciativas para garantir que a Rádio Vaticano “não tivesse eletricidade suficiente”, de modo que a voz do Pontífice não pudesse ser ouvida; que muitas vezes houve “falta de papel” para reproduzir seus pensamentos e seu ensinamento incômodo contra o nazismo e o fascismo; que em diversas ocasiões algum “incidente” fez que edições inteiras do L’Osservatore Romano que continham esclarecimentos, estudos, notas políticas, etc., se perdessem ou fossem destruídas.
Margherita Marchione, La verità ti farà libero. Pio XII a cinquant’anni dalla morte, Cidade do Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 2008
Neste livro, a autora nos lembra que foi Pio XII quem autorizou até mesmo a emissão de certificados de batismo falsos para salvar a vida dos judeus, como também quem ordenou a distribuição de vistos para que os judeus pudessem entrar em outros países e instruiu os superiores de conventos e mosteiros para que abrissem as portas e escondessem judeus e outras vítimas do nazismo e do fascismo. Angelo Roncalli (o futuro papa João XXIII) também foi instado a distribuir certificados, como ele mesmo confirmaria mais tarde, dizendo que tudo aquilo era feito de acordo com as diretrizes do Papa. Quando era delegado apostólico em Istambul, Roncalli fez uma anotação em seu diário sobre uma audiência com o papa Pio XII em 10 de outubro de 1941, afirmando que as declarações do Papa eram “prudentes”.
A neutralidade de Pio XII não salvou apenas judeus, mas também outros prisioneiros; o Papa tinha plena consciência de que o destino de milhões de pessoas dependia de cada palavra sua. Robert Kempner, advogado judeu e oficial de justiça do tribunal de Nuremberg, escreveu em 1964: “Qualquer posição pública que a Igreja tivesse tomado contra o governo de Hitler não apenas teria sido um movimento suicida, mas teria apressado também a execução de um número ainda maior de judeus e sacerdotes”.
A historiografia mais respeitada em sentido científico, levando em consideração diferentes fontes, não apenas de caráter histórico, mas, de modo particular, documental e testemunhal, dá por certo hoje que a acusação de “silêncio” que paira sobre Pio XII é simplesmente fruto de especulação ideológica. Infelizmente, ainda hoje é acriticamente repetida em alguns círculos, nos quais há pouco senso do que é a Igreja e, para adotar uma expressão mais caridosa, uma certa dificuldade para compreender como ela trabalha.
Querem fazer do papa Pacelli um “político” em guerra com duas ideologias consideradas igualmente nefastas. Pio XII sempre pensou (desde sua primeira encíclica) que não era a Igreja que tinha inimigos, mas, sim, que havia inimigos do homem, os quais se serviam do Estado para perpetrar atos constantes contra a pessoa e a sociedade. O documento mais imposta, quer pela identidade de origem, quer pela igualdade da natureza racional, em todos os homens, sem distinção de povos”.
Jovens judeus escondidos pelos Irmãos Maristas na escola São Leão Magno, em Roma
Para que a discussão sobre Pio XII, cinqüenta anos após sua morte, possa chegar a um entendimento genuíno de sua posição e de suas ações, não podemos prescindir de um estudo de seus escritos proféticos, relativos à vida íntima da Igreja, em suas dimensões teológica, litúrgica, escriturística, disciplinar, pastoral, canônica e espiritual, que os dezenove anos de pontificado expressaram. Não é sem nenhum sentido que, depois da Sagrada Escritura, as palavras de Pio XII apareçam entre as fontes mais citadas do Concílio Ecumênico Vaticano II.
Concluindo, gostaria de agradecer a todos aqueles que, como irmã Margherita Marchione, contribuíram para uma melhor compreensão da ação apostólica e exemplar do servo de Deus Pio XII. É profundamente injusto estender um véu de preconceito sobre a obra desse Papa durante a guerra, esquecendo não apenas o contexto histórico, mas também a imensa obra caritativa que ele promoveu, abrindo as portas dos seminários e dos institutos religiosos, acolhendo refugiados e perseguidos, ajudando a todos aqueles que passavam necessidade. As diretrizes dadas por Pio XII pelo rádio, pela imprensa e pelos canais diplomáticos eram claras. Naquele trágico ano de 1942, o Pontífice disse a todos: “Ação, não lamento, é o preceito de hoje”.