TESTEMUNHOS
Crônicas de perseguição e de vida cristã
Encontro com Emmanuel III Delly, Patriarca dos Caldeus: “No Iraque se diz: ‘A nós a nossa pátria, todo o resto ao Senhor’. Não importa que meu vizinho seja muçulmano ou cristão, xiita ou sunita, isso diz respeito a ele, é um assunto entre o Senhor e ele. Tudo que faço e o motivo pelo qual trabalho é pela fidelidade à pátria”
Entrevista com Emmanuel III Delly, Patriarca dos Caldeus de Giovanni Cubeddu
Antes de poder se preparar para o Advento, Emmanuel III
Delly teve de viajar muito. Por muitos motivos. O Sínodo, alguns
tratamentos médicos adiados há tempo, visitas pastorais
às numerosas comunidades caldéias na Europa e nos Estados
Unidos. Há cinco longos anos – desde dezembro de 2003 –
que foi eleito patriarca da Babilônia dos Caldeus. Cinco anos com a
guerra em casa. E em Bagdá viu, viveu e testemunhou os sofrimentos
do povo iraquiano e entre estes a perseguição aos
cristãos, que nos momentos decisivos reexplode pontualmente (assim
foi em outubro, nos dias do Sínodo), mas continua também
quando não é notícia.
No Iraque, onde a guerra levou também à perseguição, o Patriarca não se arrisca a declarações de primeira página. Como iraquiano e como pastor da maior comunidade cristã do país, Sua Beatitude Delly, criado cardeal por Bento XVI em novembro de 2007, exprime cotidianamente o seu testemunho. E nos deixa imaginar, sem recriminar, toda a realidade (do martírio) por trás da prudência.
Beatitude, o que o último Sínodo, sobre a
Palavra de Deus, trouxe de bom?
EMMANUEL III DELLY: No Iraque não há uma família, uma só, que não tenha em casa um exemplar da Sagrada Escritura, a Palavra do Senhor. Podemos fazer mais alguma coisa? Procurar viver esta Palavra, encarná-la na nossa vida, como Nossa Senhora fez indo visitar Isabel para servi-la e mostrar a caridade fraterna. Podemos lê-la. Conhecê-la não é suficiente, mas pode ajudar. Por isso, se possível, todos os dias, ao menos à noite antes de dormir, ao invés de passar duas, três horas na frente da televisão, os pais abram o Evangelho e leiam a Palavra do Senhor aos seus filhos. Até as crianças pequenas ouvirão e, passo a passo, colocarão em prática a Palavra de Deus na sua vida cotidiana. Assim o Senhor nos abençoará, e nos dará as Suas graças, nos ajudará e mostrará os caminhos que levam ao bem.
Enquanto o senhor se encontrava em Roma, também nos dias seguintes, particularmente em Mosul, foram retomadas as violências sectárias contra os cristãos.
DELLY: Não apenas contra os cristãos… As notícias que chegam do Iraque não são boas para nenhum iraquiano. Quando não se sabe de onde vem o mal, procura-se encontrar a origem, mas não se encontra, e então fica-se sempre em ânsia, sempre triste. Isso acontece aos meus compatriotas. No Iraque não se passa um dia sem uma desgraça. Para mim o sol nunca se pôs sem que eu tivesse ouvido uma má notícia ou encontrado um problema relacionado ao bem do Iraque, não somente o dos cristãos.
Não acontece apenas em Mosul.
DELLY: O que aconteceu aos cristãos de Mosul acontece há tempos em outras localidades, simplesmente desta vez causou um pouco mais de barulho. Muitos tiveram que deixar suas próprias casas, levados pelo medo ou por outras razões mais concretas… Viram seus vizinhos fugirem para o norte, e os seguiram deixando a cidade. Certamente alguma coisa não está certa… Mas o quê? A culpa é de algumas pessoas que não creem em Deus, não são muçulmanos nem cristãos, não têm outras crenças além de seus próprios interesses e ameaçam todos os que possuem alguma coisa ou um pouco de dinheiro. Impõem-lhes de deixarem suas casas e irem embora, e passando de carro pelas ruas gritam: “Não comprem estas casas, nós as teremos grátis!”.
E isso assustou os cristãos, que fogem…
DELLY: Geralmente os cristãos iraquianos são pessoas que vivem do seu próprio suor e com um certo nível de bem-estar (e agradecemos ao Senhor porque trabalham…). Por isso muitos foram embora especialmente quando viram que alguns deles foram mortos. Por quem? Não sabemos isso. Eu não acuso ninguém. Muitos dizem que as forças estrangeiras são responsáveis, mas eu repito para mim mesmo: “É possível que os estrangeiros saibam que o fulano ou sicrano tem um bom nível de vida, e que mora naquela exata casa se não conta com um guia iraquiano?”. Portanto eu desaprovo também os meus irmãos iraquianos e peço-lhes que se respeitem.
O senhor acredita que a política interna do país poderá ter a força, num futuro próximo, de resolver os problemas? Ou será sempre necessário uma autoridade externa?
DELLY: A situação não é estável, portanto não creio que se possa falar de uma “política interna”. Porém existe a caridade e o amor fraterno. O Senhor nos ensinou a amarmos uns aos outros: esta é a nossa política, a política dos cristãos, que exorto para amarem-se e perdoarem-se reciprocamente, também pelo próprio bem do país. E para que sejam fiéis antes de tudo ao Senhor e depois aos irmãos, de diferentes origens, com os quais devemos conviver pacificamente. Esta é a nossa política, não temos outra política interna ou externa. Os que tentam criar agitações não são verdadeiros iraquianos nem homens que amam a própria pátria, e muito menos pensam na vontade do Senhor.
Um partido cristão organizado, de minoria, o que poderia fazer?
DELLY: Infelizmente cada partido busca seus próprios interesses. Antes de tudo o de afirmar que é melhor do que os outros, e isso não me agrada. Devemos, ao invés, formar um só “partido fiel à pátria”, ou seja, implantar entre nós a caridade fraterna, sermos unidos e trabalhar com um só coração para todos os nossos irmãos iraquianos. E devemos motivar também os compatriotas que estão no exterior para que coloquem em prática esta política: resumindo, devemos fazer todo o possível para o bem da nossa nação.
O senhor continua a encontrar autoridades de governo e
líderes religiosos.
DELLY: Fiz um apelo, antes de tudo, aos responsáveis políticos, que podem realmente mudar alguma O senhor citou o xiita Ali al-Sistani. O senhor sabe qual é a dimensão da influência do Irã para garantir a estabilização pacífica no Iraque?
DELLY: Falo com os líderes sem me preocupar se são xiitas ou sunitas. Aproximo-me deles como iraquiano, por amor à pátria e aos nosso irmãos iraquianos que temos em comum, não como xiitas pertencentes a uma potência estrangeira. E é por esta razão, eu creio, que todos me respeitam e me recebem sem problemas, ou vêm ao meu encontro para dar ou pedir conselhos. Sabem que não sou partidário de ninguém. No Iraque se diz: “A nós a nossa pátria, todo o resto ao Senhor”. Não importa que o meu vizinho seja muçulmano ou cristão, xiita ou sunita; isso diz respeito a ele, é um assunto entre o Senhor e ele. Tudo que faço e o motivo pelo qual trabalho é pela fidelidade à pátria.
Que relações o senhor manteve com a diáspora iraquiana e com os cristãos que foram embora?
DELLY: Gostaria que os iraquianos da diáspora voltassem em pátria. Mas se não podem, se a diáspora tornou-se para eles a segunda pátria, então fiquem onde estão. Para o bem deles e do país no qual se encontram agora e também para o bem de sua pátria. Porém… gostaria que voltassem… Não queremos que o Oriente fique sem cristãos, este Oriente que o Senhor tanto amou. Foi ali que viveu e não queremos que essas terras esvaziem-se do cristianismo por culpa de alguns.
Ainda há a vontade política de transferir os cristãos, por motivos de segurança, para algumas “zonas francas” do país?
DELLY: Que eu saiba, todos os responsáveis, a partir do presidente e do primeiro-ministro, gostariam que os cristãos permanecessem no país porque são a força do Iraque. De acordo com as estatísticas os cristãos são apenas três ou quatro por cento da população, mas não é verdade… Significam muito mais porque também a qualidade conta, e os nossos cristãos iraquianos são instruídos, de boa vontade para fazer o bem, e conhecem o mundo fora do país. Por isso aquele “três ou quatro por cento”, mesmo sendo um número pequeno, na realidade não identifica uma minoria, porque se refere a pessoas que estão no Iraque desde antes da chegada do Islã. Originários do país, não imigrantes.
O que significou para o patriarca viver cinco anos de guerra e de perseguição?
DELLY: É uma coisa natural, não devemos nos maravilhar. Nosso Senhor passou três anos fazendo o bem aos seus compatriotas, dando-lhes o pão, curando os doentes, e embora tivessem gritado à sua passagem no Domingo de Ramos: “Hosana, hosana!”, na sexta-feira seguinte todos repetiram “Deve ser crucificado!”. Assim é a vida! O homem esquece logo, nós, ao invés, devemos sempre fazer o bem, seguir o exemplo de Nosso Senhor, seguir as pegadas que deixou caminhando. Como ele subiu ao Gólgota, suportando tudo, mas depois ressuscitou, assim também nós devemos passar pelo mesmo caminho de sofrimentos, críticas, maltratamentos, mas com a certeza de que no final teremos a ressurreição e a vitória.
Nos Estados Unidos há uma nova administração. O senhor quer comentar a propósito?
DELLY: Não, essas coisas não me dizem respeito… Porém estou contente com os nossos cristãos, que são realmente sólidos na fé, apesar das dificuldades nas quais se encontram hoje.
O senhor quer contar algum episódio a respeito?
DELLY: Posso apenas dizer que são realmente devotos, têm fé, conhecem seus deveres religiosos e os cumprem facilmente, apesar das dificuldades, apesar do medo. Todos os domingos levam seus filhos à missa, e isso é muito bom. É verdade, a situação não é fácil, pois algumas vezes as escolas são ameaçadas; então muitos não mandam mais seus filhos temendo seqüestros ou mortes.
Então os grupos de violentos contra cristãos continuam a operar?
DELLY: Trata-se de fanáticos que agem por interesse próprio… Mas quando o governo fica sabendo eles param. O nosso governo é independente, apesar de ser xiita procura fazer o bem também aos cristãos, para ganhar respeito e elogios, não as suspeitas. Como eu dizia nunca ouvimos falar de um decreto contra os cristãos por serem cristãos, ao menos até agora. Os xiitas defendem os cristãos. Dizem que é preciso ajudá-los e que é preciso dar-lhes trabalho, porque fazem parte do Iraque e o Iraque não pode viver sem cristãos.
Porém há os que se preocupam apenas com seus próprios interesses, algumas facções muçulmanas…
A Constituição iraquiana mantém a sharia como fonte de direito.
DELLY: Mas nem todos concordam com o texto da Constituição, mesmo entre os muçulmanos.
Ainda há uma possibilidade da reforma do texto constitucional?
DELLY: Há ainda muitas questões abertas com relação à Constituição: a liberdade religiosa, que, por exemplo, não existe. A Constituição se baseia no Alcorão, que não pode ser contradito por nenhuma lei, enquanto as fontes do direito poderiam ser muitas, porque existem outras religiões. Quem dera este fosse o nosso único problema…
Quantos conselhos arrebatadores ou interesseiros sobre como resolvê-los os senhor já deve ser recebido…
DELLY: Do tempo que morei em Roma, como estudante seminarista, recordo de um meu professor que explicava o que é a filosofia: “É a ciência com a qual, ou sem a qual, o homem permanece tal e qual”.
No Iraque, onde a guerra levou também à perseguição, o Patriarca não se arrisca a declarações de primeira página. Como iraquiano e como pastor da maior comunidade cristã do país, Sua Beatitude Delly, criado cardeal por Bento XVI em novembro de 2007, exprime cotidianamente o seu testemunho. E nos deixa imaginar, sem recriminar, toda a realidade (do martírio) por trás da prudência.
O patriarca Emmanuel III Delly celebra a liturgia na igreja da Virgem Maria em Bagdá [© Associated Press/LaPresse]
EMMANUEL III DELLY: No Iraque não há uma família, uma só, que não tenha em casa um exemplar da Sagrada Escritura, a Palavra do Senhor. Podemos fazer mais alguma coisa? Procurar viver esta Palavra, encarná-la na nossa vida, como Nossa Senhora fez indo visitar Isabel para servi-la e mostrar a caridade fraterna. Podemos lê-la. Conhecê-la não é suficiente, mas pode ajudar. Por isso, se possível, todos os dias, ao menos à noite antes de dormir, ao invés de passar duas, três horas na frente da televisão, os pais abram o Evangelho e leiam a Palavra do Senhor aos seus filhos. Até as crianças pequenas ouvirão e, passo a passo, colocarão em prática a Palavra de Deus na sua vida cotidiana. Assim o Senhor nos abençoará, e nos dará as Suas graças, nos ajudará e mostrará os caminhos que levam ao bem.
Enquanto o senhor se encontrava em Roma, também nos dias seguintes, particularmente em Mosul, foram retomadas as violências sectárias contra os cristãos.
DELLY: Não apenas contra os cristãos… As notícias que chegam do Iraque não são boas para nenhum iraquiano. Quando não se sabe de onde vem o mal, procura-se encontrar a origem, mas não se encontra, e então fica-se sempre em ânsia, sempre triste. Isso acontece aos meus compatriotas. No Iraque não se passa um dia sem uma desgraça. Para mim o sol nunca se pôs sem que eu tivesse ouvido uma má notícia ou encontrado um problema relacionado ao bem do Iraque, não somente o dos cristãos.
Não acontece apenas em Mosul.
DELLY: O que aconteceu aos cristãos de Mosul acontece há tempos em outras localidades, simplesmente desta vez causou um pouco mais de barulho. Muitos tiveram que deixar suas próprias casas, levados pelo medo ou por outras razões mais concretas… Viram seus vizinhos fugirem para o norte, e os seguiram deixando a cidade. Certamente alguma coisa não está certa… Mas o quê? A culpa é de algumas pessoas que não creem em Deus, não são muçulmanos nem cristãos, não têm outras crenças além de seus próprios interesses e ameaçam todos os que possuem alguma coisa ou um pouco de dinheiro. Impõem-lhes de deixarem suas casas e irem embora, e passando de carro pelas ruas gritam: “Não comprem estas casas, nós as teremos grátis!”.
E isso assustou os cristãos, que fogem…
DELLY: Geralmente os cristãos iraquianos são pessoas que vivem do seu próprio suor e com um certo nível de bem-estar (e agradecemos ao Senhor porque trabalham…). Por isso muitos foram embora especialmente quando viram que alguns deles foram mortos. Por quem? Não sabemos isso. Eu não acuso ninguém. Muitos dizem que as forças estrangeiras são responsáveis, mas eu repito para mim mesmo: “É possível que os estrangeiros saibam que o fulano ou sicrano tem um bom nível de vida, e que mora naquela exata casa se não conta com um guia iraquiano?”. Portanto eu desaprovo também os meus irmãos iraquianos e peço-lhes que se respeitem.
O senhor acredita que a política interna do país poderá ter a força, num futuro próximo, de resolver os problemas? Ou será sempre necessário uma autoridade externa?
DELLY: A situação não é estável, portanto não creio que se possa falar de uma “política interna”. Porém existe a caridade e o amor fraterno. O Senhor nos ensinou a amarmos uns aos outros: esta é a nossa política, a política dos cristãos, que exorto para amarem-se e perdoarem-se reciprocamente, também pelo próprio bem do país. E para que sejam fiéis antes de tudo ao Senhor e depois aos irmãos, de diferentes origens, com os quais devemos conviver pacificamente. Esta é a nossa política, não temos outra política interna ou externa. Os que tentam criar agitações não são verdadeiros iraquianos nem homens que amam a própria pátria, e muito menos pensam na vontade do Senhor.
Um partido cristão organizado, de minoria, o que poderia fazer?
DELLY: Infelizmente cada partido busca seus próprios interesses. Antes de tudo o de afirmar que é melhor do que os outros, e isso não me agrada. Devemos, ao invés, formar um só “partido fiel à pátria”, ou seja, implantar entre nós a caridade fraterna, sermos unidos e trabalhar com um só coração para todos os nossos irmãos iraquianos. E devemos motivar também os compatriotas que estão no exterior para que coloquem em prática esta política: resumindo, devemos fazer todo o possível para o bem da nossa nação.
Fiéis em uma igreja do bairro de Karrada, em Bagdá [© Afp/Grazia Neri]
DELLY: Fiz um apelo, antes de tudo, aos responsáveis políticos, que podem realmente mudar alguma O senhor citou o xiita Ali al-Sistani. O senhor sabe qual é a dimensão da influência do Irã para garantir a estabilização pacífica no Iraque?
DELLY: Falo com os líderes sem me preocupar se são xiitas ou sunitas. Aproximo-me deles como iraquiano, por amor à pátria e aos nosso irmãos iraquianos que temos em comum, não como xiitas pertencentes a uma potência estrangeira. E é por esta razão, eu creio, que todos me respeitam e me recebem sem problemas, ou vêm ao meu encontro para dar ou pedir conselhos. Sabem que não sou partidário de ninguém. No Iraque se diz: “A nós a nossa pátria, todo o resto ao Senhor”. Não importa que o meu vizinho seja muçulmano ou cristão, xiita ou sunita; isso diz respeito a ele, é um assunto entre o Senhor e ele. Tudo que faço e o motivo pelo qual trabalho é pela fidelidade à pátria.
Que relações o senhor manteve com a diáspora iraquiana e com os cristãos que foram embora?
DELLY: Gostaria que os iraquianos da diáspora voltassem em pátria. Mas se não podem, se a diáspora tornou-se para eles a segunda pátria, então fiquem onde estão. Para o bem deles e do país no qual se encontram agora e também para o bem de sua pátria. Porém… gostaria que voltassem… Não queremos que o Oriente fique sem cristãos, este Oriente que o Senhor tanto amou. Foi ali que viveu e não queremos que essas terras esvaziem-se do cristianismo por culpa de alguns.
Ainda há a vontade política de transferir os cristãos, por motivos de segurança, para algumas “zonas francas” do país?
DELLY: Que eu saiba, todos os responsáveis, a partir do presidente e do primeiro-ministro, gostariam que os cristãos permanecessem no país porque são a força do Iraque. De acordo com as estatísticas os cristãos são apenas três ou quatro por cento da população, mas não é verdade… Significam muito mais porque também a qualidade conta, e os nossos cristãos iraquianos são instruídos, de boa vontade para fazer o bem, e conhecem o mundo fora do país. Por isso aquele “três ou quatro por cento”, mesmo sendo um número pequeno, na realidade não identifica uma minoria, porque se refere a pessoas que estão no Iraque desde antes da chegada do Islã. Originários do país, não imigrantes.
O que significou para o patriarca viver cinco anos de guerra e de perseguição?
DELLY: É uma coisa natural, não devemos nos maravilhar. Nosso Senhor passou três anos fazendo o bem aos seus compatriotas, dando-lhes o pão, curando os doentes, e embora tivessem gritado à sua passagem no Domingo de Ramos: “Hosana, hosana!”, na sexta-feira seguinte todos repetiram “Deve ser crucificado!”. Assim é a vida! O homem esquece logo, nós, ao invés, devemos sempre fazer o bem, seguir o exemplo de Nosso Senhor, seguir as pegadas que deixou caminhando. Como ele subiu ao Gólgota, suportando tudo, mas depois ressuscitou, assim também nós devemos passar pelo mesmo caminho de sofrimentos, críticas, maltratamentos, mas com a certeza de que no final teremos a ressurreição e a vitória.
Nos Estados Unidos há uma nova administração. O senhor quer comentar a propósito?
DELLY: Não, essas coisas não me dizem respeito… Porém estou contente com os nossos cristãos, que são realmente sólidos na fé, apesar das dificuldades nas quais se encontram hoje.
Bagdá, 31 de outubro de 2008: uma manifestação de solidariedade para com a comunidade cristã de Mosul, que nas últimas semanas voltou a ser alvo de uma trágica série de violências [© Associated Press/LaPresse]
DELLY: Posso apenas dizer que são realmente devotos, têm fé, conhecem seus deveres religiosos e os cumprem facilmente, apesar das dificuldades, apesar do medo. Todos os domingos levam seus filhos à missa, e isso é muito bom. É verdade, a situação não é fácil, pois algumas vezes as escolas são ameaçadas; então muitos não mandam mais seus filhos temendo seqüestros ou mortes.
Então os grupos de violentos contra cristãos continuam a operar?
DELLY: Trata-se de fanáticos que agem por interesse próprio… Mas quando o governo fica sabendo eles param. O nosso governo é independente, apesar de ser xiita procura fazer o bem também aos cristãos, para ganhar respeito e elogios, não as suspeitas. Como eu dizia nunca ouvimos falar de um decreto contra os cristãos por serem cristãos, ao menos até agora. Os xiitas defendem os cristãos. Dizem que é preciso ajudá-los e que é preciso dar-lhes trabalho, porque fazem parte do Iraque e o Iraque não pode viver sem cristãos.
Porém há os que se preocupam apenas com seus próprios interesses, algumas facções muçulmanas…
A Constituição iraquiana mantém a sharia como fonte de direito.
DELLY: Mas nem todos concordam com o texto da Constituição, mesmo entre os muçulmanos.
Ainda há uma possibilidade da reforma do texto constitucional?
DELLY: Há ainda muitas questões abertas com relação à Constituição: a liberdade religiosa, que, por exemplo, não existe. A Constituição se baseia no Alcorão, que não pode ser contradito por nenhuma lei, enquanto as fontes do direito poderiam ser muitas, porque existem outras religiões. Quem dera este fosse o nosso único problema…
Quantos conselhos arrebatadores ou interesseiros sobre como resolvê-los os senhor já deve ser recebido…
DELLY: Do tempo que morei em Roma, como estudante seminarista, recordo de um meu professor que explicava o que é a filosofia: “É a ciência com a qual, ou sem a qual, o homem permanece tal e qual”.