Vitalidade, delicadeza, transcendência dos direitos humanos
A atualidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos a sessenta anos da sua proclamação. Um artigo do embaixador do Chile junto à Santa Sé
de Pablo Cabrera
Ann Eleanor Roosevelt, em uma foto de 1948, mostra o cartaz da Declaração dos Direitos Humanos
A opinião segundo a qual “a história é o que estimula a mudança” pode servir de inspiração ao enfrentar este desafio contemporâneo. A nova lista de direitos e deveres que emerge no contexto da globalização e procura uma assimilação com o patrimônio dos valores que a história deixou em herança à sociedade, deve ser assumido e respeitado, assim como tutelado no contexto da nova e inédita realidade que foi mundialmente se estruturando.
Através de uma leitura hermenêutica dos acontecimentos dos últimos sessenta anos, que inclua tanto os sucessos quanto as derrotas, tanto o bem quanto o mal, tanto os erros quanto os êxitos pode-se alcançar uma necessária ordem global que seja eficaz para superar a desigualdade social, a deterioração da convivência e a crescente degradação ecológica que constatamos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que neste ano comemora o 60º aniversário, apresenta-se como um bom ponto de referência para reunir as vontades com o objetivo de superar as inconsistências que continuam a impedir o desenvolvimento integral e justo que a comunidade mundial reclama com urgência.
Uma expressão tão maciça das vontades deu início a um modelo cultural em que os direitos das pessoas são inequivocavelmente reconhecidos como superiores aos dos Estados e pertenças de toda a humanidade. Além disso, deu um meio e uma dimensão aos valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade que chegou até aos mais extremos confins da terra. Conseqüentemente, admitir que os problemas difusos pela globalização são comuns e que a sua solução interessa a todos, significa honrar e reforçar a validade da Declaração que, por outro lado, é adequada a implementar a mudança de que se necessita. Mesmo se a centralidade dos direitos humanos ainda são se arraigou suficientemente nas políticas por parte dos Estados, é preciso dizer que o conteúdo do documento em questão apresenta-se como um forte sinal na configuração de uma cultura de paz e harmonia com condições de atenuar nas novas gerações o peso da transformação rumo a um sistema mundial mais solidário.
A Declaração de 1948, com efeito, implica o empenho em promover uma mudança na conduta dos Estados. Não foi concebida como uma simples constatação ou como um ato puramente testemunhal, mas como uma espécie de mensagem institucional para o contexto histórico que o mundo se apresentava depois da Segunda Guerra Mundial. A sintonia entre o poder e a autoridade moral, que na época operou para traçar uma agenda do conteúdo ético, foi um elemento do processo e constituiu um desafio para a humanidade. E hoje se repropõe como a fórmula apta a encaminhar esquemas de cooperação e para inverter a tendência negativa que estes atualmente apresentam. Além disso, mostra-se decisiva dentro de um conjunto de iniciativas destinadas à superação das fraquezas do sistema, evidenciadas claramente pelo processo de globalização imperante, que atinge a dignidade das pessoas em regiões impensáveis até então e que interagem tornando mais evidente a sua vulnerabilidade. Os desastres do terrorismo, a aposta da biotecnologia, as conseqüências da equação informática/privacy, a busca do desenvolvimento sustentável, o drama das migrações são alguns dos desafios que colocam à prova os cânones morais existentes e fazem da Declaração um ponto de referência para conter a supra-exposição à qual a humanidade é submetida por fatores novos e, principalmente, alheios à sua natureza e estrutura.
A luta contra a fome, a sede e a pobreza é a chave para enfrentar a saga da globalização, cujo desafio mais dramático talvez seja proveniente do fenômeno da migração que, no seu aspecto negativo, gera marginalizações e cria violência. Tudo isso forma um quadro de emergência humanitária. Os direitos humanos, colocado neste quadro como substrato ético das relações internacionais, comportam a obrigação de criar e aprovar ações que coloquem ordem nas relações das pessoas com o seu ambiente natural. Atualmente mais de cem milhões de pessoas sofrem por uma grave crise alimentar, somando-se aos que, do mesmo modo numerosos, nunca tiveram uma alimentação suficiente. As causas são várias e, às vezes, provêm de práticas erradas que requerem um tratamento específico; de qualquer modo precisa-se reconhecer que um bom número de pessoas, que só conhecia a miséria, teve uma melhora na qualidade de vida em países emergentes e com índices de desenvolvimento importantes, graças ao reconhecimento obtido pelos direitos fundamentais, através da formação de uma consciência universal. Todavia, os esforços não foram suficientes para alcançar a configuração de um habitat comum e solidário para o mundo desenvolvido e o em desenvolvimento. Por isso, encorajar e ampliar a criatividade e promover o trabalho interdisciplinar para cobrir a carência que a situação global apresenta deve fazer parte da estratégia que a diplomacia mundial deve colocar em ação para eliminar a desigualdade que torna vão qualquer processo de integração, coesão e inclusão social.
A retomada dos combates no Kivu Norte, a parte oriental da República Democrática do Congo, levou cerca de 250 mil pessoas a abandonar suas aldeias [© Associated Press/LaPresse]
São justamente os direitos humanos a imprimir fé e confiança ao trabalho diplomático porque a sua natureza está relacionada à paz, à tolerância, ao diálogo e à recíproca compreensão, em suma, a tudo o que pode se desenvolver dentro de uma cultura que tenha respeito pelos valores fundamentais. Torna-se um paradigma de convivência e ação conciliada que, certamente, constitui a base para reivindicar os Objetivos do Milênio enunciados pela comunidade internacional às Nações Unidas no ano 2000 e que hoje são colocados à dura prova pela grave crise financeira e pelos fortes contrastes políticos e ameaçam a estabilidade e o desenvolvimento do planeta.
Concluindo, a reflexão que desencadeia deste atual panorama global não pode ter espaços reduzidos sem ser formulada com critérios seletivos se se quer evitar que acabe como mais um diagnóstico de uma situação que ameaça perigosamente ampliar-se. Ao contrário, ela deve conter a correta e concorde interpretação dos fatos e, ao mesmo tempo, fornecer coordenadas e orientações para ações corretivas a serem executadas em um contexto global muito exigente e competitivo. O valor da liberdade, a democracia e o respeito dos direitos humanos servem essencialmente para levar adiante qualquer diálogo ou negociação orientados a instaurar um mundo mais fraterno e solidário; por isso o confluir de uma vontade política de sustento cultural e moral sólido não aceita que os direitos fundamentais da pessoa tenham uma aplicação parcial ou restritiva, em nenhuma condição ou circunstância. Em outras palavras, o conteúdo da Declaração Universal de 1948 é válido e é tarefa dos que formulam políticas públicas honrá-lo em toda a sua extensão.