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VIETNÃ
Extraído do número 06/07 - 2009

Uma Igreja que cresce

O caminho da paciência


A crise econômica, a fé dos novos batizados, as controvérsias sobre as propriedades eclesiásticas confiscadas. E a possibilidade de uma viagem do Papa para o país de Hô Chi Minh. Entrevista com Pierre Nguyên Van Nhon, presidente dos Bispos vietnamitas. Aos quais Bento XVI disse: “A Igreja não pretende minimamente substituir-se aos responsáveis governamentais”


Entrevista com Pierre Nguyên Van Nhon de Gianni Valente


Pierre Nguyên Van Nhon, bispo da diocese sul-vietnamita de Dà Lat, tem quase certeza: 2010 será o ano da primeira visita de um Papa ao Vietnã. O presidente dos bispos vietnamitas, homem equilibrado alheio às superficiais fofocas clericais, enumera as circunstâncias que, na sua opinião, tornam mais do que provável a chance de uma viagem de Bento XVI ao país comunista do sudeste asiático. “Seria um bem para todos. Para nós católicos, é claro, que seremos consolados na fé. Mas também para o governo, que não é contrário: a visita do Papa seria um sinal para o mundo de que o Vietnã aceita a diversidade e a liberdade”. A ocasião formal também já foi especificada: em 2010 completa cinquenta anos a instituição da hierarquia católica no Vietnã, estabelecida por João XXIII com o decreto de 24 de novembro de 1960 e os 350 anos da constituição dos primeiros dois vicariatos do país. “Fala-se de tudo isso. Falou-se várias vezes. E se Deus quiser…”.

Pierre Nguyên Van Nhon, bispo de Dà Lat, com Bento XVI [© Osservatore Romano]

Pierre Nguyên Van Nhon, bispo de Dà Lat, com Bento XVI [© Osservatore Romano]

Caso se concretize a visita do Papa ao Vietnã, que realidade encontrará diante de si neste momento histórico?
PIERRE NGUYÊN VAN NHON: Veremos como a recessão econômica mundial pesa sobre as coisas mais próximas da vida das pessoas. No nosso país 90% da população trabalha na zona rural, mas devido à crise econômica os produtos da terra não produzem mais o necessário para viver. Então todos abandonam o campo e aglomeram-se nas cidades. Deixam a família, os amigos, os seus hábitos. Como emigrantes, muitos ficam perdidos diante dos problemas que devem enfrentar. Em Saigon, em pouco tempo, chegaram dois milhões de emigrantes, entre eles há 100 mil católicos, que se sentem em condições de abandono e de fragilidade. Muitos deles não vão mais à igreja, não rezam mais. Isso também é uma consequência da crise.
E o senhor, como se tornou cristão e mais tarde sacerdote?
NGUYÊN VAN NHON: A minha família era católica há muitas gerações. Em cada família católica havia pelo menos uma vocação religiosa. Na minha, de seis filhos que éramos, duas irmãs minhas foram para o convento e eu ao seminário. Crescemos com simplicidade. Íamos à missa quase todos os dias. Comunicávamos-nos. Rezávamos as orações da noite, e antes e depois das refeições. Isso acontecia também em boa parte das famílias católicas vietnamitas. Eu agradeço a Deus, e fico contente que tenha conservado a minha vocação.
E atualmente, acontece o mesmo?
NGUYÊN VAN NHON: Muitas coisas mudaram. Hoje a vida, para muita gente, é cheia de compromissos e de trabalho, vai-se menos à missa. Agradecemos sempre a Deus, porque geralmente nas famílias cristãs ainda hoje há piedade e devoção. Com uma fé simples, alimentada pela oração e pelos sacramentos. E são muitos os que se tornam cristãos depois de adultos.
E isso, geralmente, como acontece?
NGUYÊN VAN NHON: Muitos começam a fazer parte da Igreja quando se casam com um católico ou uma católica. Alguns, mais intelectuais, vivem uma insatisfação, colocam-se perguntas e pode acontecer de encontrar alguém – padres, leigos, religiosos – que os ajudam a encontrar respostas.
É fácil receber o batismo?
NGUYÊN VAN NHON: Para os neófitos, teoricamente, a preparação deve ser feita em dois anos de catecismo. Mas geralmente a fazem em seis meses ou um ano. Na minha diocese temos a cada ano 8 ou 9 mil batizados, dos quais 3 mil de adultos, e 5 ou 6 mil de crianças de famílias cristãs. Nas grandes dioceses, 4 ou 5 mil batismos de adultos por ano.
Fiéis na saída da missa dominical na Catedral de São José em  Hanói [© Contrasto]

Fiéis na saída da missa dominical na Catedral de São José em Hanói [© Contrasto]

Mas ser batizado ainda parece uma escolha exótica de quem escolhe uma “religião ocidental”?
NGUYÊN VAN NHON: Quem usa esses argumentos faz isso por propaganda ou para reavivar antigas polêmicas. Jesus Cristo nasceu na Ásia. As suas parábolas são cheias de referências a usos e costumes de vida dos povos asiáticos. Além disso, o anúncio evangélico chegou ao Vietnã com os missionários franceses e portugueses, por isso alguns dizem que é religião estrangeira. Outros respondem que não, o cristianismo é uma religião do Oriente. Mas para mim talvez seja melhor não perder muito tempo com esses assuntos. Ou ao menos colocá-los na justa dimensão. Católico quer dizer para todos. Certamente é preciso que a missão apostólica sempre considere as condições de civilização dos vários contextos. Recentemente, em um encontro que tivemos na Tailândia, onde se falava da missão na Ásia, foi repetido que a nós convém contar a vida de Jesus na maneira mais consoante à qual Ele mesmo pregava 2 mil anos atrás, com as Suas parábolas. Uma maneira oriental, não racionalista.
Também devem ser redimensionadas as notícias sobre os recentes contrastes com o governo vietnamita pela restituição das propriedades eclesiásticas?
NGUYÊN VAN NHON: Essa é uma questão que deve ser enquadrada na história do nosso país. Antigamente no nosso país era em vigor a propriedade privada. Depois se instaurou um sistema que sustenta a propriedade coletiva dos bens. Claro, o mundo é de todos, o que Deus criou, criou para todos. Mas falar assim pode ser abstrato. Há as pessoas, os grupos sociais, com os seus direitos. Se estes direitos forem colocados à parte por um bem superior, isso se pode compreender. Mas se os bens são confiscados para se tornarem de todos e depois são empregados de maneira egoísta, para enriquecer apenas alguns privilegiados, isso não está certo, e não se poder recorrer ao argumento do bem comum.
Isso aconteceu com os bens que pertenciam à Igreja?
tilde;o com as forças policiais.
NGUYÊN VAN NHON: Nós sabemos que devemos dialogar e servir. Dialogar mesmo quando for difícil e para isso é preciso paciência. Dialogar para procurar a justiça e a caridade, para servir ao bem de todos. Atualmente tivemos algumas aberturas, podemos nos compreender melhor, mas sabemos que a luta continua e a contraposição não contribui para o bem de ninguém.
Ao descrever essa situação, alguns jornais ocidentais sublinharam que o regime comunista vietnamita tem medo da Igreja local.
NGUYÊN VAN NHON: Nós somos a Igreja. A Igreja segue sempre o caminho do diálogo. E respeita a autoridade civil. O Papa recentemente nos disse que a Igreja convida os seus filhos a comprometerem-se lealmente na edificação de uma sociedade equitativa e solidária. A Igreja – assim como disse textualmente Bento XVI, encontrando-nos por ocasião das nossas recentes visitas ad limina – “não pretende minimamente substituir-se aos responsáveis governamentais, mas deseja apenas poder, num espírito de diálogo e de colaboração respeitadora, participar justamente na vida da nação, ao serviço de todos os povos”.
Na atual delicada contingência histórica, a recuperação dos bens imobiliários, que está no centro da polêmica, é uma prioridade impelente para a Igreja?
NGUYÊN VAN NHON: Não queremos tomar posse dos bens para ficarmos ricos e poderosos. Pedimos apenas o minimum para continuar a trabalhar e servir o nosso povo. A Igreja cresce, e precisa de pelo menos alguns instrumentos para cumprir a sua missão apostólica e ajudar os pobres. Em função deste trabalho os meios podem ser úteis.
Uma jovem no confessionário do Santuário mariano de La Vang, na província de Quang Tri [© Afp/Grazia Neri]

Uma jovem no confessionário do Santuário mariano de La Vang, na província de Quang Tri [© Afp/Grazia Neri]

A evolução das relações entre Igreja e governo no Vietnã pode ser um modelo para superar as anomalias vividas pela comunidade católica na China popular?
NGUYÊN VAN NHON: Acredito que na vida da Igreja não se trata de exportar modelos. A Igreja do Vietnã funciona para a situação do Vietnã. A China é muito grande, muito complexa. Não sei se o que se faz no Vietnã pode ser feito na China. Mas se olharmos Jesus, e a Igreja como foi fundada por Ele, vemos que o modelo é para todos. Jesus edificou a Sua Igreja sobre Pedro e seus sucessores. E este é o modelo que vale para todos, no Vietnã, na China, que está nos Estados Unidos, em qualquer lugar.
Mas haverá algumas diferenças. A Igreja vietnamita, por exemplo, apresenta-se como uma Igreja humilde, também pela sua própria história.
NGUYÊN VAN NHON: Mas essa condição de humildade é uma vocação para todos. Toda a Igreja deve ser humilde, simples, caridosa, imitando Jesus. Isso vale para toda a Igreja, mesmo a Igreja dos Estados Unidos, se for Igreja de Cristo.
Também o caminho escolhido para a normalização das relações entre Santa Sé e governo vietnamita foi o da paciência humilde e que levou a bons frutos. Foram muitos os que semearam o bem, em silêncio, sem envaidecimentos.
NGUYÊN VAN NHON: O primeiro contato foi feito pelo cardeal Etchegaray em 1989. Desde então, seguiram-se várias visitas oficiais. Monsenhor Pietro Parolin, subsecretário da Secretaria de Estado que atualmente segue os acontecimentos do Vietnã, já veio nos visitar quatro vezes nos últimos anos. E foram obtidos resultados sempre melhores. Nós rezamos muito porque a abertura das relações diplomáticas entre a Santa Sé e o governo vietnamita quer dizer contar com um representante local do Papa de forma permanente, e não apenas uma vez por ano. Passo a passo chegaremos até lá.


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