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DOCUMENTOS
Extraído do número 09 - 2004

Um cristianismo que maravilha


A introdução do arcebispo emérito de Florença ao livro de Marco Politi Il ritorno di Dio, viaggio tra i cattolici d’Italia


do cardeal Silvano Piovanelli



A capa do livro <I>Il ritorno di Dio. Viaggio tra i cattolici d'Italia</I> de Marco Politi, edições Mondadori, Milão 2004

A capa do livro Il ritorno di Dio. Viaggio tra i cattolici d'Italia de Marco Politi, edições Mondadori, Milão 2004

Não tenho o hábito de apresentar livros. Nem livros que nasceram dentro da Igreja, mesmo tendo grande estima por aqueles que os fazem nascer e tirando proveito eu mesmo dos fruto do esforço deles.
Por que, então, cedi à amável insistência do autor?
A primeira motivação é estritamente pessoal. Trago no coração, vivíssima, a memória do bispo Vincenzo Savio, que nos deixou recentemente com um testemunho comovente de amor a Cristo e à vida. Uma semana antes de morrer, consumido pela doença e pela quimioterapia, ele escrevia: “A coisa mais importante é dizer a todos que estou desmedidamente contente com Deus. Que maravilha! Uma surpresa contínua e tão grande que me fez poder dizer, com convicção, que em cada instante a sua medida era plena e bem calcada”. Dom Vincenzo sempre deu atenção ao mundo da comunicação social e cultivou uma relação amigável com jornalistas e escritores. Estou certo de que ele diria: “Faça a apresentação”.
A segunda motivação é o esforço sério e corajoso deste trabalho. Um trabalho que também é difícil, pois construído face a face, por meio de entrevistas e encontros que exigiram grande esforço, levando o autor de Norte a Sul da Itália, entrando em contato com padres e bispos, com paróquias e movimentos, com religiosas e teólogas, com aqueles que dão sua vida pelos últimos da sociedade e aqueles que vivem um engajamento cultural de amplo respiro, com aqueles que se dedicam às comunicações sociais e aqueles que, de mil maneiras, promovem a justiça e a paz, com aqueles que vivem o bem da família e aqueles que estão em contato com as situações desesperadas do homem e da mulher, com aqueles que estão engajados na política e trabalham com esperança pelos jovens.
Freqüentemente, até historiadores excelentes deixam o cristianismo completamente de fora de sua pesquisa e reflexão. Como se não se dessem conta de sua presença e de sua influência na história da Europa e, marcadamente, da nossa Itália. Henri Fesquet, que fez parte do grupo que fundou Le Monde, declarou: “Esta Igreja Católica que eu mesmo muitas vezes reprovei, ainda que sempre com a verdade que nasce do amor, é ainda extraordinariamente interessante, se a confrontarmos com a triste esqualidez do mundo político ou de grande parte do mundo intelectual.
Este cristianismo é o mais estranho e vasto jardim zoológico do mundo, com toda espécie de animais: alguns medíocres e já preguiçosos, mas muitos outros excepcionais, cheios de criatividade e de caridade. Um zôo no qual o amor estimulou em todos os séculos e ainda estimula a imaginação, para tentar sempre novos caminhos e pôr-se, dessa forma, a serviço dos necessitados que incessantemente surgem na sociedade”.
“Mas”, assim se expressava padre Peter H. Kolvenbach, geral dos jesuítas, “somos homens e, em nossa busca, é possível haver crises, tensões, dificuldades. Vejo toda essa ebulição como a face externa de um organismo extremamente vital que tende a um equilíbrio em muitos campos: nas relações entre bispos e teólogos, nas relações entre Igrejas locais e religiosos, na colaboração entre diversas formas do apostolado leigo. Nesse processo de crescimento rumo a uma comunhão cada vez maior, deve-se ver também a dialética entre a crítica dos teólogos ou de outros componentes eclesiais e os chamados de atenção da hierarquia. É claro que, se na crítica se usam expressões violentas, agressivas, devem-se esperar respostas igualmente violentas. Na Igreja, a lei da caridade deveria comandar todos os nossos comportamentos, até mesmo o protesto, mas é duro morrer para nós mesmos, e, portanto, haverá sempre resistências determinadas por um espírito mundano”.
Espero que este livro ajude a fazer florescer o maravilhamento dentro do coração de muitos. “O cristianismo surpreende sempre a quem o aprofunda”, dizia Pascal. Surpreende até mesmo a quem nasceu nele. Imaginem, então, aqueles que o descobrem pela primeira vez! O cristianismo maravilha; não um cristianismo de certa forma teórico, que não se sabe como se conecta com a vida dos homens, mas um cristianismo que resplende na vida dos cristãos.
Jesus ressuscitado e os apóstolos no Lago de Tiberíades, Duccio di Buoninsegna, predela posterior da Maestà, Museu dell'Opera del Duomo, Sena. Abaixo, um detalhe

Jesus ressuscitado e os apóstolos no Lago de Tiberíades, Duccio di Buoninsegna, predela posterior da Maestà, Museu dell'Opera del Duomo, Sena. Abaixo, um detalhe

Padre Lorenzo Milani, em 1948, escrevia a um jovem amigo seu, comunista, de San Donato de Calenzano: “Diga-me, Pipetta, afinal você me entendeu de verdade? É por acaso, sabe, que você me vê lutar com você contra os senhores. [...] Pipetta, tudo passa. Para quem morre dobrado à porta dos ricos, existe o Pão de Deus no além. Foi só isso que o meu Senhor me disse para lhe dizer. A história é que se lançou contra mim. [...] Agora que o rico venceu você [...], cabe-me ir até o seu lado para combater o rico. [...] Você tem razão, sim, você tem razão, entre você e os ricos será sempre você, pobre, quem terá razão. Mesmo quando cometer o erro de empunhar armas, eu lhe darei razão. Mas como são pequenas essas palavras que você me fez dizer. Pipetta, irmão, deixe que eu lhe diga logo. [...] No dia em que tivermos rompido juntos a cerca, instalado juntos a casa dos pobres na propriedade do rico, lembre-se disto, Pipetta: não confie em mim, nesse dia eu o trairei. Nesse dia eu não ficarei com você. Eu voltarei a seu casebre chuvoso e malcheiroso para rezar por você diante do meu Senhor crucificado. Quando você não tiver mais fome nem sede, lembre-se disto, Pipetta: nesse dia eu o trairei. Nesse dia finalmente poderei cantar o único grito de vitória digno de um sacerdote de Cristo: Bem-aventurados [...] aqueles que têm fome e sede de justiça!”.
Faço votos de que este livro ajude muitas pessoas a considerarem com mais atenção o mistério do cristianismo: “Nenhuma religião”, dizia Pascal, “corresponde tanto à verdadeira natureza do homem quanto a religião de Cristo, ainda que nenhuma pareça ser tão contrária a ela!”. E faço votos de que muitos sejam ajudados a reconhecer que, se as catedrais e as obras de arte marcam de modo tão evidente a nossa cultura, existe uma outra presença, ainda mais importante: a vida de pessoas e de comunidades que são como que um fermento na massa e constituem um suplemento de alma, uma reserva de esperança para toda a humanidade na história convulsa e atormentada do nosso tempo.
Humildemente, faço também outros votos: de que os cristãos, lendo este livro, tornem-se mais conscientes do tesouro da fé e, assim, entendam que o único Evangelho que as pessoas ainda acolhem é aquele que está escrito na vida deles.


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