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JESUÍTAS
Extraído do número 03 - 2003

Encontro com Peter-Hans Kolvenbach

Nós, no tempo desta guerra absurda


A Igreja, o mundo e a Companhia de Jesus vistos pelo 28º sucessor de Santo Inácio de Loyola. Que diz sobre a crise iraquiana: “Parece absurdo desencadear uma guerra de cada vez contra todos os países governados por sistemas ditatoriais, para conduzi-los, por meio da violência externa, à democracia”


de Gianni Valente


Peter-Hans Kolvenbach, preposto da Companhia de Jesus

Peter-Hans Kolvenbach, preposto da Companhia de Jesus

O pontificado de João Paulo II já é o quinto mais longo da história. Mas o "papa negro" também não brinca em serviço. No próximo 19 de setembro, Petrus Jacobus Johannes Maternus Kolvenbach, mais conhecido pelo nome de Peter-Hans, celebrará seus vinte anos à frente da Companhia de Jesus, alcançando o sétimo lugar na classificação dos prepostos-gerais jesuítas que seguraram por mais tempo o timão da Societas Jesu.
Pode-se apostar que não haverá grande festa. Se uma coisa tem marcado os vinte anos de ministério do 28� sucessor de Santo Inácio de Loyola, é o estilo sóbrio, distante de qualquer protagonismo, desse religioso de espírito ascético, reservado e gentil. Passou grande parte desses anos rodando pelo mundo, visitando as tropas e postos avançados mais distantes de um "exército" sui generis que ainda surpreende o mundo pela versatilidade quase mimética com que vive sua vocação, adaptando-se à infinita variedade de circunstâncias e situações locais. Ad maiorem Dei gloriam.
Pelo próprio papel que exerce, quase por "deformação profissional", padre Kolvenbach está acostumado a visões e cuidados que têm por horizonte o mundo inteiro. Pode ser interessante fazer a seu lado uma breve viagem virtual que toque os lugares-chave da "geografia jesuíta", agora que se adensam no mundo as nuvens funestas de mais uma guerra.

Padre Kolvenbach, vinte anos à frente dos jesuítas são uma bela conquista. Se tivesse de abarcar com uma frase, uma fórmula sintética e essencial, toda a grande obra realizada no mundo por seus confrades, que gostaria de dizer?
PETER-HANS KOLVENBACH: O primeiro superior-geral dos jesuítas, Inácio de Loyola, gostava de resumir numa breve frase a missão da Companhia de Jesus. Em espanhol, ele dizia "ayudar a las almas", que nós traduzimos explicando que se trata de ajudar as pessoas a encontrarem pessoalmente seu Senhor e Salvador. Ao fundar a Companhia de Jesus, ele não tinha outro desejo a não ser continuar, aqui e agora, a missão de Cristo com um grupo de amigos no Senhor, dos quais o Senhor pode se servir para ir aos lugares que ainda não conheceu, que não conheceu bem ou precisa redescobrir. Essa missão de "ayudar", de "ajudar", não perdeu de modo algum sua atualidade. Em nosso milênio, no qual a Igreja não procura se impor, mas empenha-se em propor seu Senhor, o simples verbo "ajudar" expressa um anúncio vigoroso da fé com a delicadeza desinteressada que respeita a liberdade de consciência dos homens e das mulheres de nosso tempo, que buscam a Deus de uma forma ou de outra. Enquanto jesuítas, estamos conscientes de ter de cumprir a missão de Cristo, não segundo nossas próprias idéias e nossos projetos, mas segundo a maneira como o Senhor ajudou as pessoas a encontrarem o caminho para o seu e nosso Pai.
Sei que talvez a resposta seja impossível. Mas peço-lhe que nos conte um episódio, um fato, uma situação que teve a oportunidade de encontrar ou conhecer nesses vinte anos, e que para o senhor representa a imagem mais imediata e simples do que são os jesuítas na Igreja e no mundo.
KOLVENBACH: A escolha é difícil, pois graças à minha responsabilidade tenho o privilégio de encontrar os jesuítas um pouco por toda parte no mundo e de admirar seu serviço à Igreja do Senhor em condições muitas vezes penosas e precárias. Mas já que é pre_iso escolher para responder, penso na reunião de todos os superiores maiores da Companhia de Jesus que tivemos há três anos em Loyola. Não era apenas uma imagem, mas a bela realidade da união de corações a serviço de mesmo Senhor e de sua Igreja. Mais de cem superiores-maiores da desconcertante diversidade de línguas, mentalidades e culturas: era humanamente impossível entender-se a partir de uma missão comum, no entanto era possível no Senhor. Pois nossa espiritualidade é muito encarnada e vive nas condições concretas, com as pessoas na sua pluralidade conflitual. A experiência de um encontro como esse testemunha que o mandamento novo do Senhor não é uma utopia, mesmo em nosso mundo dividido, mas é possível graças ao dom e ao perdão que aprendemos e recebemos dEle.
Falemos da complexa situação internacional. Depois de 11 de setembro, uma corrente de pensamento muito influente interpreta os conflitos e as crises dentro de uma batalha com traços apocalípticos para preservar a chamada civilização ocidental de raiz cristã dos ataques que vem sofrendo. Como o senhor vê a aplicação dessa chave de leitura aos acontecimentos presentes?
Um exemplar dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, edição de Anversa de 1671, conservado na Universidade de Valência

Um exemplar dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, edição de Anversa de 1671, conservado na Universidade de Valência

KOLVENBACH: O evento horrível e espetacular de 11 de setembro desencadeou toda uma maneira de falar e de pensar "com traços apocalípticos", marcada pela inevitável angústia de ter de salvar o mundo da autodestruição e também pela inevitável divisão radical entre uma civilização boa a defender e um "gênio do mal" terrorista a destruir. Qualquer catástrofe de dimensões mundiais é facilmente qualificada como apocalíptica, mas esse não é o sentido da palavra que o último livro da Sagrada Escritura - o Apocalipse - exprimiu. Trata-se, ali, da revelação dAquele que, sinal de contradição, está por vir, vivendo a história conosco. A imagem das duas torres de Nova York na televisão ficará para sempre em nossa memória e consciência. Mas não como única grande catástrofe: há no mundo muitas outras grandes catástrofes às quais a imprensa não dá atenção, como, por exemplo, os dezenas de milhares de mortos na Colômbia. Por outro lado, qualquer espécie de terrorismo deve ser condenada, mas a condenação não pode servir para pôr de lado a busca das causas desse terrorismo, de modo a tentar remediá-lo.
Uma nova guerra vem sendo preparada há meses, desta vez definida como preventiva, patrocinada também em nome de uma indignação humanitária contra as más ações de um ditador. Como o senhor julga o forte apelo a motivações éticas ou até religiosas para dar razão ao projeto de governo global do mundo?
KOLVENBACH: Ainda que 15 dos 19 terroristas de 11 de setembro e suas redes de financiamento na verdade sejam sauditas, prepara-se ativamente uma guerra contra um país árabe com a ajuda de uma cobertura mais ou menos imposta às Nações Unidas. Certamente não é uma guerra defensiva esta para a qual nos encaminhamos. Quanto à chamada guerra preventiva, a pergunta é: quem tem o direito, além das Nações Unidas, de decidir pela necessidade de uma intervenção armada contra outro país - que causará vítimas inocentes e reviravoltas políticas - quando não se trata de legítima defesa? Com a teoria da guerra preventiva, existe o risco de se intervir, como guardiães do mundo, contra uma lista infinita de Estados que parecem preparar-se para o uso de armas de destruição em massa, hoje possuídas por numerosas nações. Seria uma ilusão perigosa. O arcebispo de Nova York pediu o reconhecimento claro e certo de um perigo claro e certo. Seja como for, diz ele, a comunidade internacional não deveria se lançar no conflito. As armas para combater o terrorismo são sobretudo a intelligence e os acordos internacionais. Parece absurdo desencadear uma guerra de cada vez contra todos os países governados por sistemas ditatoriais, para conduzi-los, por meio da violência externa, à democracia. O regime iraquiano está nas mãos de uma minoria muçulmana sunita, que governa um país de grande maioria muçulmana xiita. As motivações religiosas não parecem prevalecer, mas todos aqueles que conhecem a Ásia e o mundo árabe sabem que as pessoas identificam quase instintivamente a América como o que é branco e cristão. Uma guerra irritará por longo tempo um bilhão de muçulmanos, dos quais uma grande massa não sabe ou não pode imaginar que a Santa Sé, a Conferência Episcopal dos Estados Unidos - e os superiores-maiores americanos jesuítas - defendem uma posição moral contra a guerra.
No dizer de alguns, até mesmo na Igreja, o clima de "confronto de civilizações" é uma ocasião propícia para reafirmar a identidade cristã e redescobrir as raízes cristãs da civilização ocidental. Reaparece em muitos discursos a identificação entre o cristianismo e a cultura do Ocidente. O que é oportuno e o que é equívoco nessa leitura do momento histórico atual?
KOLVENBACH: Antes de mais nada, numa civilização que tem medo de se definir com clareza e que, por essa razão, permite que as palavras percam seu sentido, aquele que fala com convicção e certeza é facilmente julgado intolerante. É, portanto, uma graça que a Igreja, sobretudo pela boca do Santo Padre, nos lembre em todos os contextos a Verdade sem ambigüidades e compromissos a satisfazer, sem se envergonhar da cruz. Mesmo anunciando com clareza o Senhor crucificado e ressuscitado, é preciso, para tocar o_coração do outro, encontrá-lo também na sua linguagem. São Paulo fez a experiência disso em Atenas: sem negar de modo algum o Senhor ressuscitado, procurou tocar o coração dos atenienses apresentando-o como o Deus desconhecido que eles adoravam. Sem dúvida, São Paulo se dá conta de que, mesmo recorrendo à linguagem mais inculturada possível, restam sempre a "loucura" e o "escândalo" do crucificado a serem reconhecidos. Todavia, se não se inserir o anúncio da fé na realidade cotidiana das diversas culturas e civilizações, a mensagem não passará.
Como deixar de se referir à experiência, tão cara à Igreja quanto à Companhia de Jesus, de Matteo Ricci, nascido em Mascerata em 6 de outubro de 1552? Naquele tempo, ainda que na Europa dominasse a convicção do padre franciscano Alfaro, segundo o qual "com ou sem soldados, querer ir à China é tentar agarrar a lua", Matteo Ricci tornou-se chinês com os chineses. Recusando um humanismo incolor, ele cultivou a amizade para anunciar o seu Senhor em chinês, deparando com muitos obstáculos, a ponto de confessar numa de suas cartas: "Não nos faltarão de modo algum encontros em que teremos de sofrer muito por Nosso Senhor". Seguindo o Senhor e anunciando sua libertação, pode-se também passar por sofrimentos e provações. Acaso não é esse o critério do verdadeiro diálogo e da verdadeira inculturação?
A propósito de Matteo Ricci, sempre houve uma ligação entre os jesuítas e as missões que iam anunciar Jesus Cristo na China. Como o senhor encara hoje a condição da Igreja Católica naquele país?
KOLVENBACH: Os jesuítas sempre foram fascinados pela China. Francisco Xavier morreu quando esperava para entrar na China, e Matteo Ricci escreveu em 1582: a China é a coisa mais importante e mais rica de todo o Oriente, superando todos os outros reinos. Pode ser que hoje a China seja atraente em razão do número enorme de habitantes, bem mais que um bilhão, que, depois da queda das ideologias, mostram também uma certa sede de espiritualidade. Nesse contexto, é doloroso, mas não irremediável, que a Igreja Católica esteja dividida. Ao lado de uma Igreja do silêncio, existe a Associação Patriótica dos Católicos Chineses, fundada em 1957, que insiste em buscar uma autonomia exclusivamente chinesa, recusando qualquer ingerência estrangeira. Essa Associação é um agência governamental, não uma Igreja. Há uma Igreja reconhecida pelo governo, e alguns de seus bispos e sacerdotes, religiosos e fiéis pertencem à Associação Patriótica, mas seria injusto identificar a Associação Patriótica com a Igreja reconhecida pelo governo: amplos setores dessa última são mais que reticentes no que diz respeito à Associação Patriótica, como provou a recusa de muitos fiéis, seminaristas e sacerdotes a assistir em 6 de janeiro de 2000 à consagração de bispos não aprovados pela Santa Sé, que ocorreu em Pequim. Membros da Igreja reconhecida pelo governo buscam a comunhão com o Santo Padre ou já estão em contato com a Santa Sé. Ao passo que a Associação Patriótica, lutando por sua sobrevivência, resiste à normalização das relações diplomáticas com o Vaticano. Os jesuítas continuam sua presença acadêmica, pastoral e social, por exemplo com os 101 leprosários situados nas 17 províncias chinesas atendidas pelos confrades da Casa Ricci de Macau, trabalhando, como pediu o Santo Padre, para a reconciliação de todos esses milhões de católicos chineses, verdadeiras testemunhas do Cristo num continente que mais do que nunca precisa da sua graça e da sua verdade.
Abaixo, à esquerda, uma sala do colégio San Ignacio em Medellín, na Colômbia; Acima, foto de grupo dos superiores-maiores por ocasião da Assembléia de Loyola, em setembro de 2000

Abaixo, à esquerda, uma sala do colégio San Ignacio em Medellín, na Colômbia; Acima, foto de grupo dos superiores-maiores por ocasião da Assembléia de Loyola, em setembro de 2000

Passemos à Rússia, onde se vive uma temporada difícil entre o patriarcado de Moscou e a Igreja Católica. Na história das relações entre Roma e a Santa Rússia, os jesuítas tiveram também desde o início um papel de primeiro plano. Na sua opinião, há motivos razoáveis para a atual desconfiança alimentada pelos ortodoxos?
KOLVENBACH: Quando o Santo Padre nos enviou à Sibéria para oferecer uma ajuda pastoral a dezenas de milhares de católicos, todos deportados do regime stalinista, que há mais de cinqüenta anos estavam sem sacerdotes, desejou que a Companhia de Jesus não enviasse somente jesuítas poloneses, mas um grupo internacional, para exprimir a catolicidade da Igreja de Roma. E, sobretudo, deu diretrizes muito estritas para que se evitasse qualquer forma de proselitismo. Depois de tantos anos de perseguição cruel, a Igreja Ortodoxa da Santa Rússia precisa da ajuda de suas Igrejas irmãs, e essa ajuda mútua será efetiva desde que continue, também no que diz respeito às aparências, a ser um serviço desinteressado e discreto. Assim, as dioceses católicas e ortodoxas cultivam contatos. Existem também iniciativas comuns para a formação do clero. A Igreja Ortodoxa russa participa de boa vontade das reuniões com católicos sobre a espiritualidade, a história e os desafios do nosso tempo. Só quando esse diálogo de vida cristã chega ao nível das estruturas eclesiais é que se choca com um problema de princípio. Como Igreja patriarcal, a Santa Rússia não permite em seu território uma presença institucional de outro patriarcado. Isso estaria em contradição com uma tradição canônica oriental muito antiga. A Igreja Ortodoxa russa não recusa a presença de bispos católicos em seu território a serviço pastoral dos católicos, mas não tolera a institucionalização dessa presença de bispos em dioceses da Igreja Católica. Há aqui duas concepções da Igreja, uma nacional e outra universal, que se confrontam. Provavelmente sejam necessários ainda muita paciência e muito tempo, mas na medida em que está viva nas duas Igrejas a paixão do Senhor pela plena união dos cristãos, haverá um pastor e um rebanho, quando e como o próprio Senhor quiser. Cabe a nós, a exemplo do Santo Padre, aproveitar de todas as oportunidades para exprimir essa paixão pela união em encontros, serviços mútuos e, sobretudo, oração em comum.
Na América Latina, outra parte do mundo marcada pela genialidade missionária dos jesuítas, crises terríveis convivem com novos fermentos.
KOLVENBACH: A América Latina está mudando, passando por uma nova crise preocupante e desencorajadora. Muitas esperanças de mudança sócio-econômica radical, alimentadas e sustentadas também por motivações teológicas, chegaram à amarga constatação de que os ricos serão sempre ricos, os pobres sempre pobres. Assim, o continente se distancia cada vez mais do desenvolvimento que continua a crescer em outras partes do mundo. Decepcionado, o povo desconfia dos partidos políticos tradicionais e tende a escolher, como dirigentes, personagens carismáticos dos quais se esperam soluções rápidas e milagrosas, fruto do que se pode definir "realismo fantástico". Por seu lado, a Igreja continua a privilegiar a opção pelos pobres, na linha de seu ensino social, chamando a atenção das administrações e das instituições para uma responsabilidade perante os pobres que já não pode ser ignorada descarregando todas as causas da crescente miséria na América Latina no inimigo externo. Ainda que a Igreja continue a ser profética, constata-se uma troca de lugar do Elias do Carmelo pelo Elias de Sarepta. O tema já não é a ação violenta para derrubar estruturas de pecado, mas o lento e paciente esforço, sobretudo em nível local e municipal, para ajudar, por meio das instituições, a todos aqueles que sofrem, para construir, gradual mas solidamente, uma sociedade humana mais justa. Um exemplo é a obra social desenvolvida nesse sentido pelas universidades e colégios. Abre-se aqui para a Igreja um enorme campo de ação. Mais difícil de prever, por enquanto, é por quanto tempo a paciência das pessoas suportará a espera de uma mudança social urgente.
No ano passado, alguns documentos importantes da administração dos EUA relacionaram comunidades de jesuítas latino-americanos entre os "grupos subversivos". Nesses países, muitos jesuítas receberam seu batismo de sangue nos últimos anos. Como aconteceu a padre Ruttilio Grande e aos professores da Universidade Centro-Americana, assassinados em San Salvador em 1989.
KOLVENBACH: É verdade que no ano passado o Departamento de Estado dos Estados Unidos publicou um documento que acusava os jesuítas de serem fundadores de um dos movimentos guerrilheiros da Colômbia. Depois de pedir uma verificação dos fatos, o Departamento de Estado corrigiu sua declaração e reconheceu que os jesuítas não estavam implicados em movimentos revolucionários. Infelizmente, acontece muitas vezes que aqueles que denunciam a injustiça para anunciar a justiça do Evangelho sejam acusados de serem comunistas ou marxistas. Anos atrás, quando eu concelebrava missa com o padre Ignacio Ellacuría, mais tarde assassinado em San Salvador, fiquei desnorteado pela violência de suas palavras na homilia e pela crueldade das imagens pintadas nas paredes da capela de sua universidade. Eram palavras de um líder de extrema esquerda ou de um sacerdote de Jesus Cristo? Padre Ellacuría me explicava que nem a pessoa de Karl Marx nem a sua teoria mereciam seu empenho sacerdotal, mas que as estruturas de pecado mantidas por cristãos em seu país precisavam da linguagem clara de João Batista e dos profetas, da palavra exigente do Senhor, amigo dos pobres, diante da injustiça que obrigava a condições miseráveis tantos salvadorenhos.
Na África alguns jesuítas também foram acusados de ter convencido o governo de Zâmbia a recusar as doações de alimentos geneticamente modificados "oferecidos" por multinacionais americanas. Falou-se de ingratidão e pauperismo ideológico, que acabaria por causar irresponsavelmente a morte de fome de muitas pessoas que, aceitando os alimentos geneticamente modificados, poderiam ser salvas. O que o senhor pensa desse episódio?
KOLVENBACH: Em Zâmbia, os jesuítas dirigem um centro de agricultura e um centro de reflexão teológica. O governo zambiano pediu a esses dois institutos, como também a muitos outros administrados por organizações não-governamentais, um parecer sobre as doações de alimentos geneticamente modificados, oferecidos por multinacionais americanas. Ao mesmo tempo, uma delegação governamental foi enviada aos Estados Unidos para adquirir elementos e amadurecer uma opinião do ponto de vista científico. Os institutos jesuítas se pronunciaram contra a aceitação desses alimentos, mas, ao sustentar esse parecer negativo, não estavam nem um pouco isolados. Deixando de lado a questão das conseqüências desses alimentos para a saúde humana a longo prazo, ainda aberta, os jesuítas sublinharam a influência desastrosa dessas doações sobre a agricultura local e o futuro dos camponeses de Zâmbia, que, na sua maioria, produzem milho. O efeito econômico dessas doações de alimentos poderia levar ao desaparecimento de toda a agricultura local. A discussão sobre as conseqüências dessas doações continua, mas, nesse meio tempo, graças também a uma iniciativa ecumênica das Igrejas do Senhor na Zâmbia, algumas agências importantes prometeram enviar alimentos "normais", para que a população não morra de fome.


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