Home > Arquivo > 03 - 2005 > Cartas a Théo sobre a bondade e sobre a dor
ARTE
Extraído do número 03 - 2005

Van Gogh, 1889

Cartas a Théo sobre a bondade e sobre a dor




Vincent Van Gogh, Auto-retrato com paleta, 1º de setembro de 1889, National Gallery of Art, Washington

Vincent Van Gogh, Auto-retrato com paleta, 1º de setembro de 1889, National Gallery of Art, Washington

E depois, como você bem sabe, gosto muito de Arles, embora Gauguin tenha uma tremenda razão em chamá-la de a mais suja cidade de todo o Midi. E encontrei tantas amizades já entre os vizinhos, junto ao sr. Rey, e aliás entre todo mundo no hospício, que realmente eu preferiria continuar a ficar doente aqui, que esquecer a bondade destas mesmas pessoas que têm os mais incríveis preconceitos para com os pintores e a pintura.
fevereiro de 1889

Esses dias, mudando, transportando todos os móveis, embalando as telas que lhe enviarei, foi triste, mas me parecia muito mais triste o fato de que isso me foi dado com tanta fraternidade por você, e que durante tantos anos foi no entanto você sozinho quem me sustentou, e afinal ser obrigado a vir lhe contar toda esta triste história; mas me é difícil exprimir isto como eu o sentia. A bondade que você teve para comigo não se perdeu, pois você a teve e isto permanece sendo seu, e mesmo que os resultados materiais fossem nulos, é razão a mais para que isto permaneça sendo seu [...].
Todas as suas bondades para comigo, hoje eu as achei maiores do que nunca, não consigo dizer-lhe como eu o sinto, mas eu lhe asseguro que essa bondade foi de um bom quilate, e se você não vê seus resultados, meu caro irmão, não se atormente por isto, sua bondade permanecerá.
21 de abril de 1889

Eu escrevia ainda outro dia a nossa irmã que a vida inteira, ou pelo menos quase, busquei o exato contrário de uma carreira de mártir, para a qual não sou talhado.
3 de maio de 1889

Eu “me atrapalhei” na vida e meu estado mental não somente é como também foi abstraído, de forma que independentemente do que fizessem por mim, eu não posso pensar em equilibrar minha vida. Quando eu tenho que seguir uma regra como aqui no hospício, sinto-me tranqüilo.
2 de maio de 1889
Não sou um admirador do Cristo no horto das oliveiras de Gauguin, do qual ele me mandou um esboço. Sobre o de Bernard, não sei, mas ele me prometeu uma fotografia. Todavia, temo que essas composições bíblicas me façam desejar outras coisas. Nestes dias, vi mulheres recolhendo as azeitonas: não há nenhuma possibilidade de tê-las como modelos, não fiz nada com elas. Mas me perguntei se era boa a composição de Gauguin; quanto ao amigo, Bernard, provavelmente jamais tenha visto uma oliveira. Ele renuncia a elaborar uma mínima idéia da realidade das coisas, e esse não é o meio de chegar a uma síntese. Não, nunca vou me intrometer com as composições bíblicas deles.
novembro de 1889

Bernard me enviou as fotos de suas telas: o que têm é que são espécies de sonhos e de pesadelos.
sem data (1889)

Estou lutando com um quadro que comecei alguns dias antes da minha recaída, um ceifeiro; o estudo é amarelo, terrivelmente empastado, mas o ponto de partida era bonito e simples. E agora vi nesse ceifeiro - vaga figura que luta contra o demônio sob o sol para concluir o seu trabalho -, vi nele a imagem da morte, no sentido de que a humanidade seria o grão que é ceifado. Portanto - se você quiser -, é a antítese daquele semeador que eu pintei antes. Mas nessa morte não há nada de triste, tudo acontece em plena luz, com um sol que inunda tudo numa luz de ouro refinado.
setembro de 1889

(a tradução de algumas das cartas é de Pierre Ruprecht,
extraída de Vincent Van Gogh, Cartas a Théo,
Porto Alegre, L&PM, 2002)


Italiano Español English Français Deutsch