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HISTÓRIA DA IGREJA
Extraído do número 04 - 2006

Leigo, isto é, cristão


Bento XV promoveu a caridade, a paz e a liberdade dos filhos de Deus por meio do respeito às pessoas e às instituições. Quarta e última etapa da resenha dos papas que adotaram o nome Bento


de Lorenzo Cappelletti


O frontispício 
dos Acta Apostolicae Sedis 
de 3 de setembro de 1914, com a notícia da eleição ao trono pontifício 
do cardeal Giacomo Della Chiesa; abaixo, a cerimônia de coroação 
de Bento XV na Capela Sistina, 
em 6 de setembro de 1914

O frontispício dos Acta Apostolicae Sedis de 3 de setembro de 1914, com a notícia da eleição ao trono pontifício do cardeal Giacomo Della Chiesa; abaixo, a cerimônia de coroação de Bento XV na Capela Sistina, em 6 de setembro de 1914

Depois que a última página do pontificado de Pio X (1903-1914) “foi virada por uma mão onipotente e invisível”, escreviam os jesuítas de Etudes em setembro de 1914, “nós nos vemos agora diante de uma outra página ainda toda em branco, cujo título aponta simplesmente o nome de um novo papa: Bento XV. Que palavras, que gestos registrará no futuro a história do papado? Que dirá a página em branco?”.
Essa página já está preenchida há quase um século, mas não deve ter sido de fácil interpretação, se levarmos em conta que as biografias dedicadas a Giacomo Della Chiesa, que se tornou o papa Bento XV (1914-1922), falam ainda hoje de um papa desconhecido ou até incompreendido.
“A aparência não me é favorável”, escrevia ele mesmo sendo auto-irônico, numa carta de 21 de dezembro de 1898 a seu antigo colega da Academia dos Nobres Eclesiásticos Teodoro Valfrè di Bonzo (carta que faz parte de uma preciosa correspondência entre os dois publicada em 1991 em Civitas pelo saudoso Giorgio Rumi). Basta olhar para seus retratos, por mais generosos que sejam, para entender que ele não tinha le physique du rôle. “Era de estatura inferior à média e um pouco recurvado”, escrevia Francis MacNutt, outro colega seu da Academia; ou melhor, “tudo nele era recurvado: nariz, boca, olhos e costas - tudo carecia de projeto”.
De seu currículo também não parecia saltar nada além de um mediocris homo, como diria o cardeal Agliardi na véspera da eleição de Giacomo Della Chiesa ao papado. Diligente, seguro, meticuloso, mas uma espécie de “mero burocrata”, no dizer de Agliardi. Quem poderia imaginar que houvesse um projeto preciso naquele “nanico”, como era chamado na Cúria, e que vibrasse nele uma chama de caridade que no tempo certo lhe sugeriria coisas dignas de consideração? No entanto, a história da Igreja seria obrigada a ensinar que justamente o fato de se prender à forma que lhe fora transmitida - a especialidade de Giacomo Della Chiesa - foi decisivo, muitas vezes mais decisivo do que virtudes vistosas, para proteger a essência da caridade e da fé cristã.
Diferentemente de seus predecessores e sucessores imediatos na sé de Pedro (com exceção de Pio XII), Giacomo Della Chiesa era um “cidadão”. Nascera em 1854 numa família de ascendência nobre e de estilo de vida burguês naquela Gênova que, como bem sabe quem a conhece, foi uma cidade por excelência desde o início da Idade Média: algumas de suas antigas torres ainda competem com os modernos arranha-céus, que também apareceram lá pela primeira vez na Itália.
Sua formação não apenas foi urbana, mas também leiga, tanto que, segundo dizem alguns que pretendem fazer referência a palavras pronunciadas pelo próprio Bento XV, não se vangloriava de uma competência teológica excepcional. De fato, formou-se primeiro em Direito na Universidade de Gênova, ao mesmo tempo em que acompa­nhava como visitante os cursos de Filosofia e Teologia do seminário local. Cursos que completaria depois em Roma, na Gregoriana.
Giacomo, em 1875, chegaria a Roma como aluno do Colégio Capranica, no momento em que a Cidade Eterna se adaptava para se tornar a capital da Itália unida. Seria ordenado sacerdote em 21 de dezembro de 1878, no mesmo ano em que, depois de um pontificado cuja duração nunca foi superada, Pio IX (1846-1878) era sucedido por Leão XIII (1878-1903). Nos dois anos seguintes, freqüentaria a Academia dos Nobres Eclesiásticos, a escola da diplomacia pontifícia.

O busto de bronze 
e a lápide dedicados 
a Bento XV que 
se encontram no Colégio Capranica

O busto de bronze e a lápide dedicados a Bento XV que se encontram no Colégio Capranica

Do ingresso na diplomacia ao episcopado bolonhês
A partir desse momento, dois nomes, ambos ligados à diplomacia leonina, assinalariam mais do que qualquer outro a biografia de Giacomo Della Chiesa: o de um mestre extraordinário, como foi para ele Mariano Rampolla del Tindaro, o secretário de Estado de Leão XIII, a quem deve a sua formação diplomática a partir de 1881, 1882; e o de alguém com graduação idêntica à sua, como foi seu valoroso coetâneo Pietro Gasparri, nomeado secretário para os Negócios Eclesiásticos Extraordinários em 1901, ao mesmo tempo em que ocorria a nomeação de Giacomo Della Chiesa a substituto. Gasparri, que se tornaria depois o inteligente secretário de Estado de Bento XV, seria também o mais significativo continuador da obra desse papa, conservando esse ofício durante o pontificado seguinte, de Pio XI (1922-1939). “Um feito quase sem precedentes na história do papado”, escreve John F. Pollard numa recente biografia dedicada a Bento XV. No entanto, Gasparri, no que diz respeito ao trato pessoal, era o exato oposto de Della Chiesa. Às vezes - escrevia padre Giuseppe De Luca em L’Osservatore Romano de 19 de novembro de 1952, num belíssimo perfil dedicado ao cardeal “camponês” no centenário de seu nascimento -, “seu desprezo pela forma chegou a extremos deploráveis, dos quais ele era o primeiro a rir”. Se é assim, o que é que os unia? Além do escrupuloso apego a seus ofícios e do pragmatismo de ambos, gostamos de identificar o ponto de contato entre os dois num soberano desapego de si. De fato, se Gasparri, escreve De Luca no mesmo artigo, “desconfiou ininterruptamente da força que sentia já em sua natureza, e da que teve em suas mãos enquanto homem de governo, como se fossem armas perigosíssimas”, Bento, mutatis mutandis, não ficou para trás. Basta reler suas palavras ao diretor de Civiltà Cattolica, ditas no momento crucial que precedeu a entrada da Itália na guerra: “É preciso distinguir as opiniões pessoais do papa do que é essencial para a doutrina. Tampouco sua conduta como papa é imposta a todos. O papa é supranacional: não faz votos pelo triunfo da Itália; mas se um católico italiano os fizer, não estará indo contra o papa. Da mesma forma, ele nunca disse que a guerra desta ou daquela nação fosse justa ou injusta”. São palavras citadas por padre Sale no livro recém-lançado Popolari e destra cattolica al tempo di Benedetto XV.
Mas voltemos ao cursus honorum de Giacomo Della Chiesa quando ainda não era Bento.
Quando Rampolla se tornou núncio em Madri em 1883, quis levá-lo consigo e, tão logo chamado a Roma em 1887, como secretário de Estado, novamente o levou à Cúria como seu minutador. Della Chiesa exerceu fielmente esse ofício por longo tempo. E em 1901, como já dissemos, se tornou substituto.
Mas, durante o pontificado de Leão XIII, com uma rapidez bem maior do que Della Chiesa e Gasparri, mesmo sendo muito mais jovem, outro diplomata, dom Raffaele Merry del Val, ganhou espaço. Ao se encerrar o conclave que se seguiu à morte do papa Pecci, como lembrou recentemente Gianpaolo Romanato nestas páginas de 30Dias (pp. 40-45), Merry del Val seria escolhido secretário de Estado de Pio X. Todos se surpreenderam com isso, inclusive Della Chiesa, que, em 8 de novembro de 1903, escrevia com muitos pontos de exclamação: “Amanhã realizaremos o Consistório ao qual se seguirá, pouco depois, a nomeação definitiva do secretário de Estado! Quem diria isso dez anos atrás!!!”.
Rampolla logo foi posto de lado. Della Chiesa continuou em seu posto por algum tempo, mas, no momento oportuno, em 1907, também foi destinado a outra sé: a do arcebispado de Bolo­nha. Certamente, foi destinado para lá pela estima que tinham por ele, mas talvez também para ver como se arranjaria numa diocese dirigida até então pelo arcebispo Domenico Svampa, suspeito de simpatias modernistas e democrata-cristãs por ter protegido, entre outros, os padres Giulio Belvederi e Alfonso Manaresi. Quando, em outubro de 1907, Della Chiesa, com a costumeira ironia sutil, escreveu ao amigo Teodoro Valfrè di Bonzo (que achava que Della Chiesa estivesse prestes a partir para a nunciatura de Madri), parecia confirmar que seu envio a Bolonha não deveria estar imune das intenções acima descritas: “Não respondi por telégrafo a seu cortês telegrama de felicitações por minha suposta nomeação a núncio de Madri porque não queria desmentir em público a sua suposição. O fato é que não fui nem serei nomeado núncio em Madri, pois o Santo Padre me quer... arcebispo de Bolonha. Nesse desejo do Santo Padre reconheci a vontade de Deus, pois nada era mais estranho a mim do que pensar na possibilidade de me tornar arcebispo de Bolonha. Ao primeiro anúncio da vontade pontifícia, fiquei chocado, e pensar na difícil situação em que deverá se encontrar o pobre arcebispo de Bolonha aumentou a minha comoção: mas, se o Senhor me quer em Bolonha, não me dará as graças necessárias para fazer um pouco de bem àquela gente?”.
Nos anos de seu episcopado em Bolonha (sobre os quais temos hoje um livro muito bem documentado publicado por Antonio Scottà em 2002), evidentemente a graça de estado o amparou para que agisse não apenas com prudência, mas também com caridade pastoral, o que logo o fez empe­nhar-se numa cansativa visita a toda a diocese e interessar-se pela formação catequética e no seminário. Quanto às tendências modernistas ou suspeitas de modernismo, mesmo aplicando com diligência as disposições que vi­nham de Roma - poderia ter agido de outra forma? -, nunca faltou ao respeito para com as pessoas - que era o que podia fazer.
Com tudo isso, foi criado cardeal apenas em maio de 1914, poucos meses antes de entrar no conclave do qual sairia papa. Talvez não seja um acaso que o barrete cardinalício só tenha chegado depois da morte de Rampolla, ocorrida no mês de dezembro anterior. Provavelmente não queriam que o entendimento entre os dois se reconstituísse e tivesse peso no Sacro Colégio.
Nesse meio tempo havia estourado a guerra, a Grande Guerra. Houve quem dissesse que Pio X morreu de desgosto em razão dela, mas também quem, como Pollard, afirmasse que “ele e seu secretário de Estado, cardeal Merry del Val, tenham contribuído para apressar a guerra, sugerindo inoportunamente a Francisco José que a Áustria tinha razão e que deveria humilhar a Sérvia”. Em todo caso, a maior parte dos historiadores concorda que, no conclave que se seguiu à morte de Pio X, mais que considerações relativas à guerra que acabara de estourar tenha tido um peso maior o debate interno entre uma linha de intransigência e outra de moderação com relação às tendências modernistas, verdadeiras ou presumidas.

a edição de L’Osservatore Romano de 17 de agosto de 1917 
com o texto da Nota de Bento XV 
aos chefes dos povos beligerantes

a edição de L’Osservatore Romano de 17 de agosto de 1917 com o texto da Nota de Bento XV aos chefes dos povos beligerantes

A eleição ao pontificado
Justamente por representar essa posição mais moderada, Della Chiesa, mesmo tendo chegado ao cardinalato poucos meses antes, estava entre os papáveis e foi eleito papa, apesar da resistência imposta a seu nome do início ao fim do conclave por aqueles que gostariam de manter o leme na rota da intransigência. Durante o seu pontificado, esses mesmos fizeram soprar ventos de revolta, tanto mais insidiosos quanto mais sopravam de junto do Pontífice. Foram conhecidos como o “pequeno Vaticano”. Dois meses antes da morte de Bento XV, Merry del Val, criticando-o, escrevia numa carta particular que era preciso “fugir às táticas da política humana [...]. Num tempo em que o mundo perdeu a orientação e busca ansiosamente um ancoradouro que só nós somos capazes de oferecer, não deveríamos nos deixar arrastar pela corrente e parecer gente disposta a brincar com os princípios”. Bento não deu ouvidos a isso e não fez grandes mudanças. A não ser no caso da Secretaria de Estado, na qual, agindo com o conhecimento direto que tinha dos homens e dos organismos vaticanos, fez opções decisivas. Basta lembrar, além da nomeação de Gasparri, chamado para o lugar de Merry del Val como secretário de Estado depois da inesperada morte de Ferrata, os nomes de Bonaventura Cerretti, de Pacelli, de Ratti, do próprio Valfrè di Bonzo (e também de Roncalli e de Montini, que dava então os primeiros passos de sua carreira), todos destinados a cargos de relevo durante o pontificado de Bento. Um papa que escolheu esse nome não apenas em referência ao santo monge de Núrsia, mas também, como ele mesmo dizia (ao que parece), a Bento XIV, que fora seu predecessor tanto na sé de Bolo­nha quando na de Roma, em meados do século XVIII: jurista como ele e como ele obrigado a se defender daqueles que queriam ensinar doutrina ao papa.
Caridade e obediência são os elementos-chave de sua primeira encíclica programática, Ad beatissimi, de novembro de 1914. Afinal, esses haviam sido os elementos distintivos do trabalho de Della Chiesa, e que caracterizariam seu magistério e sua ação também como papa. Categorias que deveriam valer não apenas ad intra (o que é uma coisa óbvia, mas, talvez também por isso, muito rara de ser praticada), mas também ad extra, frisando, por um lado, o dever de “amor recíproco entre os homens” e, por outro, o princípio apostólico da sujeição a toda e qualquer autoridade legítima.
É interessante sublinhar que a encíclica identificava a raiz última do amor recíproco entre os homens no fato de que Jesus Cristo derramou seu sangue por todos. O Papa o frisava três vezes. Acabava de estourar a guerra, e essa insistência já sugeria implicitamente o quanto era inútil qualquer novo derramamento de sangue. A famosa Nota aos beligerantes de 1º de agosto de 1917, a do “massacre inútil” - que não por acaso começava com Dès le début (“Desde o início de nosso pontificado...”) -, nada mais teria feito senão explicitar esse juízo, consolidado por novos sistemas de ataque, mais bárbaros e sanguinários, como o dos bombardeios aéreos, citando abertamente.
A finalidade dessa Nota, por outro lado, não era definir nem denunciar, mas, sim, oferecer uma proposta concreta de paz. “Foi a primeira vez durante a guerra que qualquer pessoa ou potência formulou um esquema detalhado ou prático para uma negociação de paz” (Pollard, p. 148), com a consciência, expressa mais de uma vez pelo Papa desde a Ad beatissimi, de que a paz é a condição para que se realize o amor recíproco entre os homens: “A paz é um grandíssimo dom de Deus; entre as coisas terrenas, não nos é dado ver nada mais agradável, nem podemos desejar coisa mais doce: enfim, não podemos encontrar nada melhor”, escrevia, citando Agostinho, já na Pacem Dei munus.
Estes foram os artigos de Lorenzo Cappelletti sobre os papas que adotaram o nome Bento anteriormente publicados em 30Dias: <BR><BR> 1) Nomen omen, nº 10, outubro de 2005, pp. 64-69; <BR> 2) Um ‘continuum’ descontínuo, nº 11, novembro de 2005, pp. 38-43; <BR> 3) Benditos reformadores, nº 12, dezembro de 2005, pp. 40-45.
Mas o nacionalismo de muitos governos, hostis a qualquer solução que não fosse a sanguinolenta das armas, levou ao fracasso da proposta de 1917. Pesou também em sentido negativo a situação de menoridade em que se encontrava a Santa Sé do ponto de vista diplomático. De fato, o papado já não gozava desde 1870 de qualquer soberania, e Merry del Val, durante o pontificado anterior, promovera, se isso era possível, um crescente isolamento, quase se vangloriando de um encastelamento em torno dos valores: com a França, por exemplo, já não havia relações desde 1906. Com a Grã-Bretanha, elas haviam cessado três séculos e meio antes!
Assim, coube a Bento XV (apesar de ter reativado essas relações e muitas outras, mas sem chegar à reconciliação com a Itália) a tarefa de enfaixar as feridas produzidas pelo conflito, organizando campanhas de donativos, trocas de prisioneiros, coletas de informações. A maneira como depois foi louvado por sua ação pareceu às vezes expressar um reconhecimento diretamente proporcional à satisfação pela subalternidade a que essa ação havia se restringido.
Nem a guerra que havia terminado permitiu à Santa Sé participar da Conferência de Paz de Versalhes de meados de 1919. No entanto, Bento XV e Gasparri talvez fossem os analistas mais agudos naquele momento, diríamos hoje, e poderiam ter dado uma contribuição para a paz, se esta tivesse sido a finalidade da Conferência de Paz. Tanto assim, que perceberam logo que as condições impostas aos vencidos não diminuiriam as hostilidades, da mesma forma como sublinharam a impossível auto-suficiência das nações que surgiram com a dissolução do Império Austro-Húngaro. “Uma previsão que a história, de maneira até dolorosa demais, demonstrou estar correta”, escreve Pollard.
Também a propósito de um Oriente Médio redesenhado pela queda do Império Otomano, reinava grande preocupação no Vaticano: a coexistência multirreligiosa que, no fundo, esse Império havia garantido estava começando a desmoronar bem naquele momento, como se lê num belo ensaio de Andrea Riccardi de título revelador, Bento XV e a crise da convivência religiosa no Império Otomano.

Uma das 58 litografias do Miserere de Georges Rouault, composta nos anos da Primeira Guerra Mundial,

Uma das 58 litografias do Miserere de Georges Rouault, composta nos anos da Primeira Guerra Mundial,

Empreitadas cheias de lucidez
Até aqui, vimos a primeira parte do pontificado de Bento XV, dominada pela emergência da guerra, que durou bem além do final dela. A segunda parte, que cronologicamente mescla-se com a primeira, distingue-se por algumas empreitadas cheias de lucidez. Ainda que o projeto de todas elas não pertença ao Papa, ou que não sejam diretamente obra dele, devem porém a ele o fato de se terem tornado realidade: o Código de Direito Canônico, promulgado em 1917, coletânea iniciada já sob Pio X e devida em grande parte à competência e à capacidade de trabalho de Gasparri; também em 1917, o desmembramento, a partir de Propaganda Fide, de uma autônoma Congregação da Igreja Oriental (depois “das Igrejas Orientais”), cuja presidência foi assumida pelo próprio Papa, pelo interesse que o ligava a ela; e a criação de um Instituto de Estudos sobre o Oriente Cristão. Gestos aparentemente de simples cunho administrativo, mas na realidade significativos de uma concepção da catolicidade que não seria tal sem as Igrejas não-latinas, como frisou, num recente congresso desenvolvido em Anagni, o atual reitor daquele Instituto de Estudos: a abertura de uma nova temporada missionária, inaugurada pela encíclica Maximum illud, que programaticamente liberava a ação dos missionários dos laços perversos com o nacionalismo e o colonialismo, que penalizavam sobretudo o aparecimento de uma hierarquia autóctone na China; e, enfim, o início tímido mas real dos primeiríssimos diálogos ecumênicos, em Malines, com a autorização do Papa bem às vésperas da sua morte.
Além disso, com relação à Itália, ou melhor, à Questão Romana, foi por meio da relação leal entre Bento XV e o antigo colega de escola barão Carlo Monti, diretor-geral das Questões de Culto e, reservadamente, encarregado de negócios do governo italiano junto à Santa Sé, que começou a “Conciliação oficiosa” que dá título aos dois volumes recentemente publicados do diário de Monti, rico em “autenticidade e vigor singulares”, como escreve no prefácio o cardeal Silvestrini.
Da mesma forma, deve-se a Bento XV e a Gasparri o nascimento do Partido Popular Italiano (o Apelo aos livres e fortes é de 18 de janeiro de 1919). Não no sentido de que o tenham imposto. “O Partido Popular surgiu por geração espontânea, sem nenhuma interferência da Santa Sé nem pró nem contra”, escreveu Gasparri em suas memórias. Mas no sentido de que nasceu e se desenvolveu segundo as coordenadas de aconfessionalidade e reformismo que o teriam dado à Itália como um fator decisivo do “maior bem-estar de sua convivência”, para retomar ainda as palavras de Gasparri. Isso, sim, eles realmente quiseram, escreve padre Sale, agindo também contra aquela parte dos católicos e dos bispos que “pensava em criar um partido católico fortemente submisso às diretrizes da hierarquia”.
Explicit.


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