Guiar a Igreja pelos caminhos da Providência
do cardeal Tomás Spidlík, S.J.

Um certo contexto, que provém do passado recente, parece nos conduzir a isso. Depois da última guerra mundial, a situação política, cultural e religiosa sofreu enormes mudanças. Espontaneamente, portanto, sentiu-se a necessidade de adequar também a vida eclesiástica e até mesmo o pensamento a essa nova situação. Muitas vezes, de fato, o Papa Pio XII voltava a essa questão em seus discursos, em suas catequeses diligentemente preparadas com a ajuda dos especialistas. Não é nenhum segredo que mais de uma vez tenha tido a idéia de que convocar um concílio ecumênico poderia ser o caminho adequado para encontrar as respostas a todos aqueles problemas que o solicitavam com uma rapidez crescente. Mas seu destacado senso de responsabilidade o detinha. Tinha consciência de que uma obra como essa exige uma preparação extremamente diligente.
O Concílio foi convocado, então, por João XXIII, o qual, espontâneo e simples, não era detido por escrúpulos sobre a quantidade de preparação e nem parecia sentir a necessidade de grandes inovações na maneira de propor e praticar a fé que amava com um estilo tradicionalmente devoto.
Que lição providencial podemos aprender da sucessão desses dois pontífices, tão diferentes entre si? Talvez possamos expressá-la assim. No Concílio Vaticano II, a Igreja se encontrou numa encruzilhada decisiva de seu caminho histórico. Pio XII, em sua clarividência, se dava conta disso e hesitava. Mas, em momentos como esses, a Providência normalmente age a seu modo, um modo bem conhecido na Bíblia. Inesperadamente, Deus escolhe um homem pio e simples, obediente à inspiração instantânea. Não foi talvez assim quando João XXIII disse que a idéia do Concílio lhe surgiu na Basílica de São Paulo?
Sabemos bem que em seguida o Concílio ultrapassou grandemente qualquer expectativa não apenas do Papa, mas de toda a Igreja. Era preciso então que o grande fato chegasse à consciência de todo o povo cristão, para que se tirassem dele as conseqüências práticas. Sabe-se que as decisões do Concílio de Trento chegaram a ser vividas quase um século depois. Como seria com o Vaticano II? Paulo VI não tinha o traço pessoal de um radical reformador. E foi obra da Providência que ele começasse esse processo de maneira minuciosa, evitando sonoras declarações e ações não amadurecidas. E um grande passo histórico adiante foi dado. A Providência determinou depois, como se nota nas sinfonias musicais, um entreato silencioso, usando para isso novamente um homem simples e pio, João Paulo I, para dar lugar depois ao sucessor que escolheu também seu nome. Tem-se procurado de maneiras diversas avaliar a grandeza do pontificado de João Paulo II, um dos mais longos da história. Gostaríamos de acrescentar a isso uma nota correspondente ao contexto do pensamento que procuramos desenvolver? Dizem que a primeira encíclica do Papa apela aos “direitos humanos”. Mas é mais justo lembrar que seu título exato é Redemptor hominis. Redentor da pessoa concreta, o “mistério” que, segundo o Vaticano II, precede o “sacramento”. A essas pessoas, várias e irrepetíveis, o Papa sabia encontrar em suas numerosas viagens. E seu funeral foi um testemunho estupendo de como ele mesmo também era reconhecido como uma irrepetível personalidade concreta.

Bento XVI durante as férias em Val d’Aosta, em julho de 2006
O sucessor do Papa precedente está diante de nossos olhos há muito pouco tempo ainda. Mas, observando o que faz e ouvindo o que ensina, estamos convencidos de que compreendeu o papel que a Providência lhe indicou. Sua preparação foi de tipo teológico. A palavra “teologia” foi talvez usada pela primeira vez por Platão em referência àqueles que sabem interpretar os mistérios. É de fato o que Bento XVI procura fazer com clareza em seus freqüentes ensinamentos. São pessoais, mas também em linha espiritual com o caminho da Igreja percorrido por seus predecessores. Não surpreende que sejam expressos de maneira mais explícita, dado que são formulados por alguém que anteriormente foi professor de Teologia.
Para mostrá-lo, lemos por exemplo a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz, no início deste ano. Em meio ao esforço generoso dos políticos sinceros que desejam estabelecer uma justa ordem jurídica no mundo, o Papa eleva a voz para resumir em duas linhas o espírito do Vaticano II: “Pessoa humana, coração da paz. De fato, estou convencido de que respeitando a pessoa promove-se a paz e, construindo a paz, assentam-se as premissas para um autêntico humanismo integral. É assim que se prepara um futuro sereno para as novas gerações”.
Não faz parte da finalidade da nossa brevíssima nota entrar em outras considerações. Mas já isso nos convence suficientemente e conforta nossos comuns votos sinceros: Deus nos conserve o Pontífice e o assista com a graça do Espírito Santo, para que possa continuar a guiar a Igreja pelos caminhos da Providência.