PAÍSES DO GOLFO. Testemunhos do berço do islã
A fé em Jesus floresce também no deserto
“Aqui, a Igreja Católica vive do essencial, de sacramentos e devoção. O que arregala os olhos dos meus interlocutores, sempre, mesmo quando eles ocupam os mais altos cargos nestes países, é me ouvirem dizer: ‘Nós, cristãos, antes de qualquer outra coisa, rezamos por vocês’”. Encontro com dom Paul Hinder, vigário apostólico da Arábia
Entrevista com Paul Hinder de Giovanni Cubeddu
A novidade mais recente, do
ponto de vista da diplomacia, foi o estabelecimento de
relações oficiais entre a Santa Sé e os Emirados
Árabes, em 31 de maio passado. Como em outras partes da
Península Arábica, nos Emirados a Igreja também
já tivera a possibilidade de experimentar, antes de todas as
formalidades, a benevolência de governantes esclarecidos: em novembro
de 2006, um amplo terreno foi doado para a construção de
igrejas cristãs em Ra’s al Khaymah (um dos sete emirados que
compõem a federação). A gratuidade é o mais
belo modelo de relacionamento com o poder que a Igreja experimenta no
Vicariato Apostólico da Arábia. Exatamente no berço do
islã, onde o profeta Maomé viveu sua história e
encontrou judeus e cristãos em episódios de justiça e
convivência que mereceriam hoje uma atenção muito
maior, dentro e fora da Ummah.
Além dos Emirados, a Santa Sé mantém nesta região crucial relações diplomáticas com Barein, Kuweit, Iêmen e Catar, e espera-se que em breve a lista possa incluir também o Sultanato de Omã. O Vicariato Apostólico da Arábia – o mais extenso do mundo, com mais de três milhões de quilômetros quadrados – compreende todos os Estados da Península Arábica (com exceção do Kuweit, cujo bispo é dom Camillo Ballin, missionário comboniano). O Vicariato é hoje guiado pelo bispo Paul Hinder, um frade menor capuchinho, que continua a silenciosa e apaixonada tradição de sua ordem de oferecer religiosos a estas terras, que se tornaram um divisor de águas extremamente delicado nas relações entre fé e civilização, e entre política e economia globais, dados os enormes interesses relacionados aos recursos energéticos. Dom Louis Lasserre, primeiro vigário apostólico da Arábia, também era capuchinho. Nos tempos heróicos (o Vicariato foi instituído formalmente em 1889), o agitado quartel-general para o cuidado das almas era a insalubre cidade de Áden, no Iêmen, no sul da península que os romanos conheciam como “Arabia felix”; desde 1973, a residência do vigário apostólico é a futurista Abu Dhabi.
Dom Paul Hinder conversa e se aconselha muito freqüentemente com Bernardo Gremoli, seu confrade e predecessor, vigário apostólico de 1976 a 2005. E, sempre que pode, não deixa de lhe fazer uma visita. É a mesma bonita história que continua.
Excelência, qual é a
situação da Igreja que o senhor herdou de seu predecessor,
dom Bernardo Gremoli, na Península Arábica?
PAUL HINDER: A impressão que tive foi de uma Igreja extremamente viva e numerosa. Uma realidade que a gente não espera quando chega a esta parte do mundo pela primeira vez. Nos lugares em que os governos doaram terrenos para a construção de igrejas, existem comunidades realmente impressionantes, que me dão alegria e coragem.
O problema que enfrentamos em quase todos os países do Golfo é justamente o do espaço. Ainda que tenhamos recebido terrenos para erguer nossas igrejas, eles já não são suficientes. Essa é uma questão concreta, que às vezes suscita discussões entre os grupos de diferentes línguas e ritos pertencentes a uma mesma paróquia, e que cria alguns problemas ao bispo, que precisa sempre se comportar da maneira mais imparcial. O que nem sempre é possível, materialmente...
Quer dizer?
HINDER: Tomemos por exemplo o Catar, onde existem mais de 50 mil filipinos, 85% dos quais são católicos. Estamos construindo uma grande igreja para eles, mas no momento eles não possuem nenhuma. No Catar vive ainda um número muito grande de indianos e, considerando tudo, há entre 140 mil e 150 mil católicos. Até hoje o espaço para a liturgia era cedido pela escola americana, pela filipina e por outros ambientes, que aos poucos foram sendo alugados para os momentos litúrgicos. Essa dispersão não nos ajuda a cuidar como pastores de uma realidade de fiéis tão heterogênea, a fim de mantê-la unida. Essa falta de cuidado já é sentida, e nos desagrada.
Em alguns países do Golfo, os problemas relacionados com a autorização para que se construíssem igrejas foram resolvidos graças à boa vontade das lideranças islâmicas. O senhor acha que no futuro serão criadas dificuldades?
HINDER: Anos atrás, quando dom Bernardo Gremoli começou a peregrinar pela Península Arábica, em todos os lugares pelos quais ele passava o estilo de vida era mais próximo do passado beduíno, mais informal e direto do que são as burocracias atuais. Hoje, as famosas demoras podem ser atribuídas muitas vezes não a má vontade, que não existe, mas à estrutura dos ministérios, cada vez mais complicada, também aqui no Golfo. Não nego que às vezes podemos encontrar pela frente uma série de funcionários governamentais menos modernos, que não se dão conta das mudanças sociais que aconteceram em seus países, ou outros que aderem a uma interpretação mais radical e de fechamento. Mas estes são fenômenos que podemos encontrar em qualquer administração. Não é uma prerrogativa do Golfo.
Paradoxalmente, os beduínos de antigamente, mesmo sendo mais tradicionalistas, eram também mais abertos, se comparados a seus sucessores; eram mais seguros de si. O que eu mais espero é que todos nós, muçulmanos ou cristãos, sempre nos demos conta da realidade.
Existem episódios que possam exemplificar o que o senhor está dizendo?
HINDER: Muitos. Eu me lembro de um encontro com o sultão de Omã, no qual eu e o bispo anglicano tivemos a possibilidade de falar com ele livremente, durante mais de uma hora; e ele entendeu e aceitou o que pensávamos e dizíamos. Foi muito cordial. E foram cordiais também o ministro dos Assuntos Religiosos de Omã e o chefe de seção do Waqf, a secretaria que cuida das propriedades religiosas. Como bispo católico, tenho até hoje liberdade de ir e vir em Omã, além de um visto prolongado, com permissão para múltiplas entradas. Eles nos ouvem e até procuram nos ajudar, mesmo respeitando a lei, que estabelece longos prazos para a emissão de vistos, que chegam até a dois ou três meses. Isso cria obstáculos, se tivermos de responder rapidamente a alguma urgência relativa aos cristãos. Mas os funcionários do governo nos ouvem, e, quando há uma necessidade verdadeira, compreendem.
Outros encontros?
HINDER: Com o conselheiro para os Assuntos Religiosos do presidente dos Emirados Árabes Unidos, que já tinha sido um bom amigo de dom Gremoli. É um homem cordial, por isso é um prazer encontrá-lo nas reuniões oficiais; e nós também o recebemos em nossa casa episcopal, quando vem nos desejar um bom Natal. Além de tudo, como vigário apostólico, eu sou apresentado às outras autoridades como representante do Papa. São indícios de uma estima afetuosa, recíproca. No Iêmen, que visito com freqüência, encontrei várias personalidades do governo, como o ministro das Relações Exteriores, ou o da Saúde, para discutir a eventualidade de abrir numa de nossas casas em Áden uma pequena clínica para os pobres. E o rei do Barein ou o emir do Catar não mostram menor benevolência. Mas há também a relação diária com a administração, o funcionário que não nos conhece e que às vezes aplica as regras de uma maneira muito rígida, alongando os prazos... Por isso é preciso ter muita paciência.
E na hora em que ela acaba?
HINDER: Bem, tudo se ajusta com mais um pouquinho de paciência [ri; ndr.]... e, se você não a tiver, aprende.
O fato de haver uma relação cordial com a Igreja Católica em alguns países do Golfo é, por si só, um pedido discreto de maior aproximação com os sauditas.
HINDER: É verdade, se bem que eu não tenha meios para avaliar o quanto, por ora, esse pedido venha sendo acolhido. Nisto, também, a paciência ajuda. Mas, fora essa conversa entre nós, em silêncio, às vezes entre os próprios sauditas e os pequenos países do Golfo existe uma certa preocupação, seja por falta de comunicação, seja pelo que pode acontecer a Riad do ponto de vista político. Existe uma incompreensão recíproca, motivada entre outras coisas pela diferença de mentalidade, de abordagem dos temas quentes... Diante dos grandes problemas que envolvem todo o mundo árabe ou o islã, evidentemente a unidade árabe e/ou muçulmana se realiza quase automaticamente. Mas, olhando para os detalhes, vemos não é bem assim. Exatamente como aconteceria conosco, europeus.
O clima começou a mudar com a revolução no Irã, em 1979, e mais tarde, sobretudo, em 11 de setembro de 2001 e na segunda guerra do Golfo. Dali em diante, houve maior radicalismo, ceticismo, desconfiança no Golfo. As minorias se sentiram mais inseguras, passamos a falar menos. Mas isso não vale para todos. Alguns são exceção...
O que o senhor quer dizer?
HINDER: Quem tem ao menos um pouco de instrução, ou melhor, quem chega a conhecer pessoalmente os cristãos muda sua bagagem cultural, torna-se mais positivo... tem menos “medo” de nós. E isso acontece também aos cristãos diante dos muçulmanos, certamente.
Com base na sua experiência, em que campo é mais fácil o encontro entre pessoas de religiões diferentes? Que gesto as aproxima mais?
HINDER: O problema principal para os países do Golfo, que as autoridades governamentais também notam, é que os estrangeiros chegam para trabalhar e, depois de alguns anos, vão embora; por isso, não são considerados imigrantes que devem ser integrados, mas simples “expatriados”. Isso inevitavelmente muda a maneira de ser da relação. Por exemplo: a esmagadora maioria daqueles que vêm para cá não aprende o árabe. Tomemos o exemplo do Catar: em geral, a Igreja se limita a cuidar dos expatriados – entre os quais há também árabes cristãos de outros países, mas eles são uma pequena minoria dentro de uma massa de asiáticos. Isso também influencia o tipo de coexistência, e as nossas relações com os habitantes locais às vezes também se reduzem a atos burocráticos ou a recepções com as autoridades. Nós esperamos que se estabeleça finalmente um diálogo contínuo com os imãs autóctones, mas estes, às vezes, o que é um outro problema, só conhecem sua língua. Com as autoridades acadêmicas ou políticas, que em alguns casos estudaram no exterior, é mais fácil. Até porque, por exemplo, conhecem a Europa.
Então, para responder sua pergunta, eu diria que o campo em que caminhamos melhor com os muçulmanos é o respeito à vida – até mesmo nas conferências internacionais a Igreja e o islã estiveram próximos, por exemplo ao condenar o aborto – e o amor pela família: mesmo sendo diferentes os papéis do homem e da mulher, o sentido da família é muito forte no islã. O desejo de justiça e de paz também nos aproxima...
Como é que seus interlocutores reagem às atuais circunstâncias internacionais?
HINDER: Como todos sabemos, e sabemos bem, qualquer encontro entre nós ficará enfraquecido, e será menos autêntico, enquanto não forem resolvidas tanto a eterna questão palestina quanto a atual tragédia vivida pelo povo iraquiano. São feridas abertas no mundo árabe-muçulmano. Todas as vezes – eu constato isso em meus encontros oficiais com as autoridades –, em determinado momento do diálogo, me perguntam: “E vocês, o que estão fazendo? Qual é a posição do Papa sobre a Palestina? E sobre o Iraque?”. Felizmente, nosso Papa foi claro sobre a guerra, e a posição da Santa Sé a respeito de Israel e da Palestina também é digna de crédito. Mas esses continuam a ser os problemas centrais, e o diálogo, para nós, que vivemos aqui no Golfo, se complica.
Como se caracteriza a vida das comunidades cristãs no Golfo?
HINDER: Aqui, a Igreja Católica vive do essencial, de sacramentos e devoção. Há atividades caritativas, desenvolvidas por membros das comunidades ou pelo pároco ou bispo local. Mas não existem estruturas físicas, e seria até difícil que existissem. A exceção a isso são as quatro escolas que o Vicariato Apostólico possui, e mais quatro particulares, dirigidas por religiosas: são obras importantíssimas para nós. A maioria dos alunos é muçulmana. Eles já são uma grande maioria se considerarmos o conjunto das instituições de ensino, mas chegam a representar 95% dos alunos na Rosary School, em Abu Dhabi! E todos esses jovens que estudaram conosco, em geral, saem de nossas escolas com uma idéia completa de quem são os cristãos. A fama das escolas é boa, e os próprios xeques se sentem livres para nos enviar seus filhos.
A Península Arábica é
sinônimo de lugar problemático para a liberdade de
religião. Mas qual é a reação de um governante
amigo dos cristãos, um emir, por exemplo, quando ouve os debates
ocidentais sobre o tema da reciprocidade?
HINDER: Antes de mais nada, eu não diria que a primeira intenção de quem governa no Golfo seja negar a liberdade e a reciprocidade aos cristãos. Não. Ele talvez não tenha tido uma correta informação sobre as reais necessidades dos cristãos em seu país. Eu gostaria de contar um episódio relacionado ao atual sultão de Omã. Uma vez, ele contou que na Grã-Bretanha, quando era estudante, foi hóspede de uma família de cristãos. Os donos da casa não apenas lhe ofereceram um quarto, mas lhe reservaram também um segundo quarto, para que fizesse dele um lugar de oração, como se fosse, ele disse, sua “pequena mesquita”. Essa experiência o marcou para sempre, e quando o sultão foi atacado por ter destinado terrenos à construção de igrejas em Omã, respondeu a quem o denegria que, se até num país estrangeiro haviam reconhecido seu direito de rezar, com maior razão os cristãos agora deviam poder rezar em sua casa. Esse não é um exemplo de reciprocidade? É claro que, como eu dizia, pode haver aqui e ali no Golfo um menosprezo das necessidades dos cristãos: sobre isso, é possível negociar.
O caso de Omã não é isolado.
HINDER: É verdade. Encontrei o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, que também havia estudado na Europa, e falamos exatamente nos mesmos termos que usei com o sultão de Omã.
É claro que encontramos também no Golfo aqueles que não se sentem obrigados a garantir liberdade plena de religião, porque são seguidores convictos da única verdadeira religião do islã, e aí os cristãos são tolerados, mas não possuem outro direito além do de se tornarem muçulmanos...
Os cristãos de Omã devem sua liberdade de professar publicamente a fé à experiência pessoal de seu sultão.
HINDER: É verdade... É um episódio que o sultão sempre repete. Da mesma forma, é interessante lembrar que quando o sultão ouviu alguns imãs pregarem de maneira grosseira e excessivamente radical, e soube que eles tinham vindo do Egito de propósito para isso, mandou que fossem acompanhados até a fronteira, pois não queria que esse falso islã contagiasse as mesquitas de seu país.
Nos Emirados Árabes Unidos, deram um passo além, estabelecendo que, quando necessário, haja um controle sobre as orações da sexta-feira, para evitar infiltrações. Se o imã não aceita submeter a uma leitura prévia o texto que lerá aos fiéis na mesquita, fica obrigado a ater-se aos textos oficiais preparados pelo Ministério para os Assuntos de Religião. Veja, eu, como bispo cristão, sou até mais livre que o imã! Pois ninguém nunca veio me pedir que corrigisse minhas homilias...
A questão do radicalismo de exportação é delicada, no Golfo.
HINDER: Quando, há alguns anos, os Irmãos Muçulmanos se transferiram do Egito para outros países, foram acolhidos de braços abertos. Não se tinha consciência do que havia no interior deles. Mas o idílio durou pouco, e alguns Estados árabes reagiram com um controle mais estreito e rígido, ou com a expulsão.
Do seu ponto de vista, o que ajudará mais a comunidade católica nos países do Golfo a ser mais bem compreendida e, dessa forma, receber maiores espaços de liberdade, onde necessário?
HINDER: É preciso apenas que nos tornemos compreensíveis para a mentalidade desses povos. Fazendo três coisas.
A primeira?
HINDER: É a mais fácil. O que arregala os olhos dos meus interlocutores, sempre, mesmo quando eles ocupam os mais altos cargos nestes países, é me ouvirem dizer: “Nós, cristãos, antes de qualquer outra coisa, rezamos por vocês”. Em nossas missas, em todos os dias de festa, há uma intercessão por aqueles que governam o país, e pelo bem-estar do povo que nos hospeda. E isso continua e vale mesmo quando os cristãos podem ter sofrido ou ainda estejam sofrendo injustiças.
A segunda?
HINDER: Procuro sempre lembrar a meu interlocutor que a riqueza destes países ricos em petróleo se realiza também graças ao pobre trabalho manual dos imigrantes, dos expatriados, presentes em cada um dos incontáveis canteiros de obras abertos no Golfo. E que parte deles é cristã. E nesse sentido a Igreja, que tem o maior cuidado com essas pessoas, não está fazendo outra coisa a não ser ajudar no desenvolvimento do país e, se quisermos, assegurar também a ele uma maior ordem civil. O bem-estar do país e do povo que nos hospeda interessa à Igreja.
A terceira?
HINDER: Nós respeitamos as leis do país, e pedimos que os outros façam o mesmo.
As comunidades cristãs são julgadas por
quem as hospeda segundo seu comportamento na vida cotidiana. Mas como
é que as julga o seu bispo?
HINDER: Na missa in coena Domini, em Abu Dhabi, estavam presentes no mínimo 15 mil fiéis. Ela foi celebrada ao ar livre; se você pudesse ter presenciado o silêncio e a atenção daquelas pessoas! O mesmo aconteceu na noite de Páscoa. Imagens como essas talvez só possam ser vistas na praça de São Pedro, mas com menor devoção... pois lá a praça é maior e as pessoas se dispersam. Além de tudo, eu vejo muita devoção por aqui, o que não é apenas expressão da religiosidade dos imigrantes indianos ou filipinos ou de outros países asiáticos, mas evidencia a boa batalha da fé, o desejo vital de aprofundá-la. “Padre, eu tenho mais fé aqui do que em meu país”, me disse mais de uma pessoa. Talvez seja pela situação de exposição à qual, como cristãos, somos submetidos aqui, em nações que não são cristãs. Porém... veja que resultado. Vou lhes contar a história do europeu que tinha perdido a fé...
Por favor.
HINDER: Em seu país de origem, existe a possibilidade de uma pessoa se demitir oficialmente da comunidade religiosa a que pertence – nesse caso, a Igreja Católica –, o que é válido também no que se refere às relações oficiais entre o Estado e a Igreja. Assim, há tempos, recebi a carta de um senhor que não era mais “oficialmente” católico e que trabalhava num país do nosso Vicariato no qual não existe liberdade de culto. Mesmo com todas as dificuldades que enfrentava nesse lugar, ou, quem sabe... talvez justamente graças a elas, ele me disse: “Quero voltar para a Igreja”. Aqui, no Golfo, por muitos motivos, estamos diariamente diante da possibilidade de abandonar nossa fé, ou de reabraçá-la, para nunca mais deixá-la.
Excelência, o senhor está descrevendo um lugar no qual todo pastor deveria ter a oportunidade de viver.
HINDER: Eu quase diria que, mais que em outros países ocidentais, aqui o povo ama o bispo... E pensar que eu não pedi para vir.
Além dos Emirados, a Santa Sé mantém nesta região crucial relações diplomáticas com Barein, Kuweit, Iêmen e Catar, e espera-se que em breve a lista possa incluir também o Sultanato de Omã. O Vicariato Apostólico da Arábia – o mais extenso do mundo, com mais de três milhões de quilômetros quadrados – compreende todos os Estados da Península Arábica (com exceção do Kuweit, cujo bispo é dom Camillo Ballin, missionário comboniano). O Vicariato é hoje guiado pelo bispo Paul Hinder, um frade menor capuchinho, que continua a silenciosa e apaixonada tradição de sua ordem de oferecer religiosos a estas terras, que se tornaram um divisor de águas extremamente delicado nas relações entre fé e civilização, e entre política e economia globais, dados os enormes interesses relacionados aos recursos energéticos. Dom Louis Lasserre, primeiro vigário apostólico da Arábia, também era capuchinho. Nos tempos heróicos (o Vicariato foi instituído formalmente em 1889), o agitado quartel-general para o cuidado das almas era a insalubre cidade de Áden, no Iêmen, no sul da península que os romanos conheciam como “Arabia felix”; desde 1973, a residência do vigário apostólico é a futurista Abu Dhabi.
Dom Paul Hinder conversa e se aconselha muito freqüentemente com Bernardo Gremoli, seu confrade e predecessor, vigário apostólico de 1976 a 2005. E, sempre que pode, não deixa de lhe fazer uma visita. É a mesma bonita história que continua.
Paul Hinder, vigário apostólico da Arábia
PAUL HINDER: A impressão que tive foi de uma Igreja extremamente viva e numerosa. Uma realidade que a gente não espera quando chega a esta parte do mundo pela primeira vez. Nos lugares em que os governos doaram terrenos para a construção de igrejas, existem comunidades realmente impressionantes, que me dão alegria e coragem.
O problema que enfrentamos em quase todos os países do Golfo é justamente o do espaço. Ainda que tenhamos recebido terrenos para erguer nossas igrejas, eles já não são suficientes. Essa é uma questão concreta, que às vezes suscita discussões entre os grupos de diferentes línguas e ritos pertencentes a uma mesma paróquia, e que cria alguns problemas ao bispo, que precisa sempre se comportar da maneira mais imparcial. O que nem sempre é possível, materialmente...
Quer dizer?
HINDER: Tomemos por exemplo o Catar, onde existem mais de 50 mil filipinos, 85% dos quais são católicos. Estamos construindo uma grande igreja para eles, mas no momento eles não possuem nenhuma. No Catar vive ainda um número muito grande de indianos e, considerando tudo, há entre 140 mil e 150 mil católicos. Até hoje o espaço para a liturgia era cedido pela escola americana, pela filipina e por outros ambientes, que aos poucos foram sendo alugados para os momentos litúrgicos. Essa dispersão não nos ajuda a cuidar como pastores de uma realidade de fiéis tão heterogênea, a fim de mantê-la unida. Essa falta de cuidado já é sentida, e nos desagrada.
Em alguns países do Golfo, os problemas relacionados com a autorização para que se construíssem igrejas foram resolvidos graças à boa vontade das lideranças islâmicas. O senhor acha que no futuro serão criadas dificuldades?
HINDER: Anos atrás, quando dom Bernardo Gremoli começou a peregrinar pela Península Arábica, em todos os lugares pelos quais ele passava o estilo de vida era mais próximo do passado beduíno, mais informal e direto do que são as burocracias atuais. Hoje, as famosas demoras podem ser atribuídas muitas vezes não a má vontade, que não existe, mas à estrutura dos ministérios, cada vez mais complicada, também aqui no Golfo. Não nego que às vezes podemos encontrar pela frente uma série de funcionários governamentais menos modernos, que não se dão conta das mudanças sociais que aconteceram em seus países, ou outros que aderem a uma interpretação mais radical e de fechamento. Mas estes são fenômenos que podemos encontrar em qualquer administração. Não é uma prerrogativa do Golfo.
Paradoxalmente, os beduínos de antigamente, mesmo sendo mais tradicionalistas, eram também mais abertos, se comparados a seus sucessores; eram mais seguros de si. O que eu mais espero é que todos nós, muçulmanos ou cristãos, sempre nos demos conta da realidade.
Existem episódios que possam exemplificar o que o senhor está dizendo?
HINDER: Muitos. Eu me lembro de um encontro com o sultão de Omã, no qual eu e o bispo anglicano tivemos a possibilidade de falar com ele livremente, durante mais de uma hora; e ele entendeu e aceitou o que pensávamos e dizíamos. Foi muito cordial. E foram cordiais também o ministro dos Assuntos Religiosos de Omã e o chefe de seção do Waqf, a secretaria que cuida das propriedades religiosas. Como bispo católico, tenho até hoje liberdade de ir e vir em Omã, além de um visto prolongado, com permissão para múltiplas entradas. Eles nos ouvem e até procuram nos ajudar, mesmo respeitando a lei, que estabelece longos prazos para a emissão de vistos, que chegam até a dois ou três meses. Isso cria obstáculos, se tivermos de responder rapidamente a alguma urgência relativa aos cristãos. Mas os funcionários do governo nos ouvem, e, quando há uma necessidade verdadeira, compreendem.
A igreja paroquial de Nossa Senhora do Rosário, em construção em Doha, no Catar. Os terrenos foram doados pelo chefe de Estado, o xeque Hamad bin Khalifa Al-Thani
HINDER: Com o conselheiro para os Assuntos Religiosos do presidente dos Emirados Árabes Unidos, que já tinha sido um bom amigo de dom Gremoli. É um homem cordial, por isso é um prazer encontrá-lo nas reuniões oficiais; e nós também o recebemos em nossa casa episcopal, quando vem nos desejar um bom Natal. Além de tudo, como vigário apostólico, eu sou apresentado às outras autoridades como representante do Papa. São indícios de uma estima afetuosa, recíproca. No Iêmen, que visito com freqüência, encontrei várias personalidades do governo, como o ministro das Relações Exteriores, ou o da Saúde, para discutir a eventualidade de abrir numa de nossas casas em Áden uma pequena clínica para os pobres. E o rei do Barein ou o emir do Catar não mostram menor benevolência. Mas há também a relação diária com a administração, o funcionário que não nos conhece e que às vezes aplica as regras de uma maneira muito rígida, alongando os prazos... Por isso é preciso ter muita paciência.
E na hora em que ela acaba?
HINDER: Bem, tudo se ajusta com mais um pouquinho de paciência [ri; ndr.]... e, se você não a tiver, aprende.
O fato de haver uma relação cordial com a Igreja Católica em alguns países do Golfo é, por si só, um pedido discreto de maior aproximação com os sauditas.
HINDER: É verdade, se bem que eu não tenha meios para avaliar o quanto, por ora, esse pedido venha sendo acolhido. Nisto, também, a paciência ajuda. Mas, fora essa conversa entre nós, em silêncio, às vezes entre os próprios sauditas e os pequenos países do Golfo existe uma certa preocupação, seja por falta de comunicação, seja pelo que pode acontecer a Riad do ponto de vista político. Existe uma incompreensão recíproca, motivada entre outras coisas pela diferença de mentalidade, de abordagem dos temas quentes... Diante dos grandes problemas que envolvem todo o mundo árabe ou o islã, evidentemente a unidade árabe e/ou muçulmana se realiza quase automaticamente. Mas, olhando para os detalhes, vemos não é bem assim. Exatamente como aconteceria conosco, europeus.
O clima começou a mudar com a revolução no Irã, em 1979, e mais tarde, sobretudo, em 11 de setembro de 2001 e na segunda guerra do Golfo. Dali em diante, houve maior radicalismo, ceticismo, desconfiança no Golfo. As minorias se sentiram mais inseguras, passamos a falar menos. Mas isso não vale para todos. Alguns são exceção...
O que o senhor quer dizer?
HINDER: Quem tem ao menos um pouco de instrução, ou melhor, quem chega a conhecer pessoalmente os cristãos muda sua bagagem cultural, torna-se mais positivo... tem menos “medo” de nós. E isso acontece também aos cristãos diante dos muçulmanos, certamente.
Com base na sua experiência, em que campo é mais fácil o encontro entre pessoas de religiões diferentes? Que gesto as aproxima mais?
HINDER: O problema principal para os países do Golfo, que as autoridades governamentais também notam, é que os estrangeiros chegam para trabalhar e, depois de alguns anos, vão embora; por isso, não são considerados imigrantes que devem ser integrados, mas simples “expatriados”. Isso inevitavelmente muda a maneira de ser da relação. Por exemplo: a esmagadora maioria daqueles que vêm para cá não aprende o árabe. Tomemos o exemplo do Catar: em geral, a Igreja se limita a cuidar dos expatriados – entre os quais há também árabes cristãos de outros países, mas eles são uma pequena minoria dentro de uma massa de asiáticos. Isso também influencia o tipo de coexistência, e as nossas relações com os habitantes locais às vezes também se reduzem a atos burocráticos ou a recepções com as autoridades. Nós esperamos que se estabeleça finalmente um diálogo contínuo com os imãs autóctones, mas estes, às vezes, o que é um outro problema, só conhecem sua língua. Com as autoridades acadêmicas ou políticas, que em alguns casos estudaram no exterior, é mais fácil. Até porque, por exemplo, conhecem a Europa.
Então, para responder sua pergunta, eu diria que o campo em que caminhamos melhor com os muçulmanos é o respeito à vida – até mesmo nas conferências internacionais a Igreja e o islã estiveram próximos, por exemplo ao condenar o aborto – e o amor pela família: mesmo sendo diferentes os papéis do homem e da mulher, o sentido da família é muito forte no islã. O desejo de justiça e de paz também nos aproxima...
Como é que seus interlocutores reagem às atuais circunstâncias internacionais?
HINDER: Como todos sabemos, e sabemos bem, qualquer encontro entre nós ficará enfraquecido, e será menos autêntico, enquanto não forem resolvidas tanto a eterna questão palestina quanto a atual tragédia vivida pelo povo iraquiano. São feridas abertas no mundo árabe-muçulmano. Todas as vezes – eu constato isso em meus encontros oficiais com as autoridades –, em determinado momento do diálogo, me perguntam: “E vocês, o que estão fazendo? Qual é a posição do Papa sobre a Palestina? E sobre o Iraque?”. Felizmente, nosso Papa foi claro sobre a guerra, e a posição da Santa Sé a respeito de Israel e da Palestina também é digna de crédito. Mas esses continuam a ser os problemas centrais, e o diálogo, para nós, que vivemos aqui no Golfo, se complica.
Como se caracteriza a vida das comunidades cristãs no Golfo?
HINDER: Aqui, a Igreja Católica vive do essencial, de sacramentos e devoção. Há atividades caritativas, desenvolvidas por membros das comunidades ou pelo pároco ou bispo local. Mas não existem estruturas físicas, e seria até difícil que existissem. A exceção a isso são as quatro escolas que o Vicariato Apostólico possui, e mais quatro particulares, dirigidas por religiosas: são obras importantíssimas para nós. A maioria dos alunos é muçulmana. Eles já são uma grande maioria se considerarmos o conjunto das instituições de ensino, mas chegam a representar 95% dos alunos na Rosary School, em Abu Dhabi! E todos esses jovens que estudaram conosco, em geral, saem de nossas escolas com uma idéia completa de quem são os cristãos. A fama das escolas é boa, e os próprios xeques se sentem livres para nos enviar seus filhos.
O vigário apostólico Paul Hinder participa de uma conferência inter-religiosa sobre o tema da tolerância; Abu Dhabi, 23 de janeiro de 2007
HINDER: Antes de mais nada, eu não diria que a primeira intenção de quem governa no Golfo seja negar a liberdade e a reciprocidade aos cristãos. Não. Ele talvez não tenha tido uma correta informação sobre as reais necessidades dos cristãos em seu país. Eu gostaria de contar um episódio relacionado ao atual sultão de Omã. Uma vez, ele contou que na Grã-Bretanha, quando era estudante, foi hóspede de uma família de cristãos. Os donos da casa não apenas lhe ofereceram um quarto, mas lhe reservaram também um segundo quarto, para que fizesse dele um lugar de oração, como se fosse, ele disse, sua “pequena mesquita”. Essa experiência o marcou para sempre, e quando o sultão foi atacado por ter destinado terrenos à construção de igrejas em Omã, respondeu a quem o denegria que, se até num país estrangeiro haviam reconhecido seu direito de rezar, com maior razão os cristãos agora deviam poder rezar em sua casa. Esse não é um exemplo de reciprocidade? É claro que, como eu dizia, pode haver aqui e ali no Golfo um menosprezo das necessidades dos cristãos: sobre isso, é possível negociar.
O caso de Omã não é isolado.
HINDER: É verdade. Encontrei o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, que também havia estudado na Europa, e falamos exatamente nos mesmos termos que usei com o sultão de Omã.
É claro que encontramos também no Golfo aqueles que não se sentem obrigados a garantir liberdade plena de religião, porque são seguidores convictos da única verdadeira religião do islã, e aí os cristãos são tolerados, mas não possuem outro direito além do de se tornarem muçulmanos...
Os cristãos de Omã devem sua liberdade de professar publicamente a fé à experiência pessoal de seu sultão.
HINDER: É verdade... É um episódio que o sultão sempre repete. Da mesma forma, é interessante lembrar que quando o sultão ouviu alguns imãs pregarem de maneira grosseira e excessivamente radical, e soube que eles tinham vindo do Egito de propósito para isso, mandou que fossem acompanhados até a fronteira, pois não queria que esse falso islã contagiasse as mesquitas de seu país.
Nos Emirados Árabes Unidos, deram um passo além, estabelecendo que, quando necessário, haja um controle sobre as orações da sexta-feira, para evitar infiltrações. Se o imã não aceita submeter a uma leitura prévia o texto que lerá aos fiéis na mesquita, fica obrigado a ater-se aos textos oficiais preparados pelo Ministério para os Assuntos de Religião. Veja, eu, como bispo cristão, sou até mais livre que o imã! Pois ninguém nunca veio me pedir que corrigisse minhas homilias...
A questão do radicalismo de exportação é delicada, no Golfo.
HINDER: Quando, há alguns anos, os Irmãos Muçulmanos se transferiram do Egito para outros países, foram acolhidos de braços abertos. Não se tinha consciência do que havia no interior deles. Mas o idílio durou pouco, e alguns Estados árabes reagiram com um controle mais estreito e rígido, ou com a expulsão.
Do seu ponto de vista, o que ajudará mais a comunidade católica nos países do Golfo a ser mais bem compreendida e, dessa forma, receber maiores espaços de liberdade, onde necessário?
HINDER: É preciso apenas que nos tornemos compreensíveis para a mentalidade desses povos. Fazendo três coisas.
A primeira?
HINDER: É a mais fácil. O que arregala os olhos dos meus interlocutores, sempre, mesmo quando eles ocupam os mais altos cargos nestes países, é me ouvirem dizer: “Nós, cristãos, antes de qualquer outra coisa, rezamos por vocês”. Em nossas missas, em todos os dias de festa, há uma intercessão por aqueles que governam o país, e pelo bem-estar do povo que nos hospeda. E isso continua e vale mesmo quando os cristãos podem ter sofrido ou ainda estejam sofrendo injustiças.
A segunda?
HINDER: Procuro sempre lembrar a meu interlocutor que a riqueza destes países ricos em petróleo se realiza também graças ao pobre trabalho manual dos imigrantes, dos expatriados, presentes em cada um dos incontáveis canteiros de obras abertos no Golfo. E que parte deles é cristã. E nesse sentido a Igreja, que tem o maior cuidado com essas pessoas, não está fazendo outra coisa a não ser ajudar no desenvolvimento do país e, se quisermos, assegurar também a ele uma maior ordem civil. O bem-estar do país e do povo que nos hospeda interessa à Igreja.
A terceira?
HINDER: Nós respeitamos as leis do país, e pedimos que os outros façam o mesmo.
Imigrantes asiáticos trabalham nos Emirados Árabes Unidos. Grande parte deles é cristã
HINDER: Na missa in coena Domini, em Abu Dhabi, estavam presentes no mínimo 15 mil fiéis. Ela foi celebrada ao ar livre; se você pudesse ter presenciado o silêncio e a atenção daquelas pessoas! O mesmo aconteceu na noite de Páscoa. Imagens como essas talvez só possam ser vistas na praça de São Pedro, mas com menor devoção... pois lá a praça é maior e as pessoas se dispersam. Além de tudo, eu vejo muita devoção por aqui, o que não é apenas expressão da religiosidade dos imigrantes indianos ou filipinos ou de outros países asiáticos, mas evidencia a boa batalha da fé, o desejo vital de aprofundá-la. “Padre, eu tenho mais fé aqui do que em meu país”, me disse mais de uma pessoa. Talvez seja pela situação de exposição à qual, como cristãos, somos submetidos aqui, em nações que não são cristãs. Porém... veja que resultado. Vou lhes contar a história do europeu que tinha perdido a fé...
Por favor.
HINDER: Em seu país de origem, existe a possibilidade de uma pessoa se demitir oficialmente da comunidade religiosa a que pertence – nesse caso, a Igreja Católica –, o que é válido também no que se refere às relações oficiais entre o Estado e a Igreja. Assim, há tempos, recebi a carta de um senhor que não era mais “oficialmente” católico e que trabalhava num país do nosso Vicariato no qual não existe liberdade de culto. Mesmo com todas as dificuldades que enfrentava nesse lugar, ou, quem sabe... talvez justamente graças a elas, ele me disse: “Quero voltar para a Igreja”. Aqui, no Golfo, por muitos motivos, estamos diariamente diante da possibilidade de abandonar nossa fé, ou de reabraçá-la, para nunca mais deixá-la.
Excelência, o senhor está descrevendo um lugar no qual todo pastor deveria ter a oportunidade de viver.
HINDER: Eu quase diria que, mais que em outros países ocidentais, aqui o povo ama o bispo... E pensar que eu não pedi para vir.