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LOURDES: 11 DE FEVEREIRO A...
Extraído do número 01 - 2008

Os cento e cinqüenta anos de Lourdes

Aquilo tem a forma de uma senhorita”


É dessa forma que Bernadete explica ao comissário Jacomet o que vê na gruta de Massabielle. Crônica dos dezoito encontros


de Giovanni Ricciardi


Cento e cinqüenta anos atrás, em 1858, a Virgem Maria apareceu à jovem de 14 anos Bernadete Soubirous por dezoito vezes, entre 11 de fevereiro até a noite de 16 de julho, na gruta de Massabielle, pouco distante da cidadezinha de Lourdes. Estes breves trechos das crônicas daqueles dias (principalmente como ajuda para revivê-las na oração) reevocam os fatos principais e algumas das palavras e dos testemunhos apresentados naqueles dias pela própria Bernadete.

Uma representação da aparição de Nossa Senhora a Bernadete

Uma representação da aparição de Nossa Senhora a Bernadete

11 de fevereiro
quinta-feira: primeira aparição
Bernadete sai de casa com a irmã Toinette e a amiga Jeanne Baloum para recolher um pouco de lenha em terrenos públicos próximos ao rio Gave. Não conseguindo atravessar o rio sem molhar os pés, começa a tirar as meias, quando, citando suas palavras, “ouvi um ruído como se fosse uma rajada de vento”. Ela se volta, mas os choupos atrás dela nem se mexeram. “Então”, conta, “continuei a tirar os sapatos”. De novo uma rajada de vento. Dessa vez, ela olha na direção da gruta, que se ilumina, e nessa luz aparece a Bernadete uma figura branca que sorri. “Tinha um vestido branco, um véu também branco, um cinta azul e uma rosa amarela em cada pé. Seu terço também era amarelo. Fiquei surpresa. Achei que estava vendo coisas. Esfreguei os olhos e olhei novamente. Via sempre a mesma senhora. Pus a mão no bolso e peguei o terço. Queria fazer o sinal-da-cruz, mas não consegui levar a mão à testa. A mão caía. Então, fiquei muito assustada e minha mão não parava de tremer. Mas não fui embora. A senhora pegou o terço que trazia pendurado no braço e fez o sinal-da-cruz; então, tentei fazer também e consegui. Mal fiz o sinal-da-cruz, a tremedeira desapareceu. Eu me ajoelhei e rezei meu terço com a bela senhora. A visão desfiava as contas do rosário, sem mover os lábios. Quando terminamos o rosário, ela me fez sinal de que me aproximasse, mas eu não ousei. Então a bela senhora desapareceu de repente”.
No caminho de volta, Bernadete conta à irmã e à amiga o que viu, fazendo-as prometerem que não o revelarão a ninguém. Mas Toinette conta aos pais, que, à noite, interrogam Bernadete e a proíbem de ir à gruta novamente. Depois dessa primeira aparição, que aconteceu por volta do meio-dia, todas as outras se deram de manhã, exceto a décima quarta e a décima oitava, que aconteceram à noite.

14 de fevereiro
domingo: segunda aparição
É o domingo que precede a Quarta-feira de Cinzas. Conta Bernadete: “Voltei à gruta pela segunda vez no domingo seguinte. Eu me lembro bem, porque me sentia movida por uma força interior. Minha mãe tinha-me proibido de ir lá. Depois da missa solene, eu e minhas duas companheiras fomos pedir de novo a mamãe que me deixasse ir à gruta. Ela não queria, de jeito nenhum. Tinha medo de que eu caísse na água e não voltasse a tempo para as Vésperas. Eu lhe prometi que voltaria. Então ela me deixou ir. Antes de ir, fui à paróquia com uma garrafinha para pegar um pouco de água benta. Quando chegamos ao lugar, cada uma pegou seu terço e nos ajoelhamos para rezar o rosário. Eu mal tinha terminado a primeira dezena quando vi aparecer a mesma senhora. Logo comecei a jogar água benta nela, dizendo que ficasse, se viesse da parte de Deus, ou fosse embora. E fui logo jogando água. Ela sorria e inclinava a cabeça”.
Bernadete é arrebatada em êxtase, as companheiras não conseguem movê-la e fogem assustadas para pedir ajuda. O moleiro Nicolau, com toda a sua força, conseguirá tirá-la dali com muita dificuldade. Os boatos começam a circular. A mãe fica preocupada e renova a proibição de voltar à gruta.

18 de fevereiro
quinta-feira: terceira aparição
A rica senhora Milhet, movida pela curiosidade, arranca da mãe a permissão de levar novamente a menina a Massabielle, e dá ordem a Bernadete que pergunte o nome da figura que lhe aparece, dando-lhe papel, pena e tinteiro: “A senhora teria a bondade de escrever seu nome?”. Assim, Bernadete ouvirá pela primeira vez a voz daquela senhora, que responde: “Não é necessário”. E, com surpreendente gentileza, pergunta a Bernadete: “Teria a bondade de vir aqui durante quinze dias?”. Bernadete conta: “Eu lhe respondi que sim. Além disso, acrescentou que não me prometia a felicidade neste mundo, mas no outro. Voltei à gruta durante quinze dias. A visão apareceu todos os dias, menos numa segunda-feira e numa sexta”.

19 de fevereiro
sexta-feira: quarta aparição
A aparição dura quinze minutos. Bernadete tem na mão o círio que lhe foi dado por sua madrinha, Bernarde Castérot, com o qual chegou à gruta com dez pessoas. A bela senhora se limita a sorrir em silêncio, e Bernadete lhe responde por gestos: “Cumprimentava com as mãos e a cabeça”, conta a amiga Josèphe Barinque. “Era um prazer vê-la, como se a vida inteira não tivesse feito outra coisa a não ser aprender a fazer aqueles cumprimentos. Eu não conseguia parar de olhar para ela”.

20 de fevereiro
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21 de fevereiro
domingo: sexta aparição
Desta vez também, primeiro domingo da Quaresma, nada de palavras, só gestos e sorrisos. À tarde, Bernadete é interrogada pelo comissário Jacomet, convicto de que a história toda é uma invenção. É aqui que começa a usar o termo Aquerò – que, no dialeto de Lourdes, significa Aquilo –, para se referir à coisa que vê: “Então, Bernadete, você vai todos os dias a Massabielle?”. “Sim, senhor.” “E vê ali alguma coisa bonita?” “Sim, senhor.” “E então, Bernadete, você vê a Santíssima Virgem?” “Eu não digo que vi a Santíssima Virgem.” “Ah, bom. Você não viu nada.” “Sim, vi alguma coisa.” “Então, o que viu?” “Algo branco.” “Algo ou alguém?” “Aquerò/Aquilo tem a forma de uma senhorita.” “E ela não lhe disse: sou a Santíssima Virgem?” “Aquerò não me disse isso”.

23 de fevereiro
terça-feira: sétima aparição
Obedecendo às ameaças do comissário, o pai de Bernadete lhe proíbe voltar à gruta na segunda-feira. Na hora, ela obedece, mas à tarde uma força irresistível a leva de novo a Massabielle. Mas a aparição não acontece. No dia seguinte, os pais retiram a proibição e, dessa vez, a aparição dura uma hora, diante de uma multidão de cento e cinqüenta pessoas. Durante o êxtase, Elénoire Pérand, que um ano depois entrará para as irmãs de São Vicente de Paulo, espeta Bernadete com um alfinete. A menina não tem nenhuma reação à dor. Aquerò lhe ensina uma oração, somente para ela, que desde então Bernadete rezará todos os dias pelo resto da vida, e lhe conta três segredos, que Bernadete disse dizerem respeito apenas a ela.

A gruta de Lourdes numa foto de 1914

A gruta de Lourdes numa foto de 1914

24 de fevereiro
quarta-feira: oitava aparição
Nesse dia, pela primeira vez, a bela senhora tem uma mensagem para todos: “Hoje Aquerò pronunciou uma nova palavra: Penitência! E acrescentou: ‘Rezareis a Deus pela conversão dos pecadores’. E eu respondi: ‘Sim’. Ela me perguntou se aquilo me incomodava. Eu lhe respondi que não. Depois me pediu que subisse de joelhos até o fundo da gruta e beijasse o chão em sinal de penitência pelos pecadores”.

25 de fevereiro
quinta-feira: nona aparição
Origina-se nesse dia a fonte de água situada no fundo da gruta, que hoje alimenta as piscinas e as fontes de Lourdes.
Diante de quinhentas pessoas, Bernadete começa a fazer de joelhos a leve subida que leva ao fundo da gruta, beijando o chão. Seguindo as indicações de Aquerò, escava um pequeno buraco com as mãos e, depois tirar a água três vezes, porque estava suja, na quarta vez consegue bebê-la.

27 de fevereiro
sábado: décima aparição
Desta vez Aquilo se limita a sorrir. Bernadete volta a fazer os gestos de dois dias antes: vai em frente beijando o chão, sobe até o fundo da gruta e bebe de novo a água que jorra da terra.

28 de fevereiro
domingo: décima primeira aparição
Um oficial, enviado para avaliar a situação, registra a presença de 1.100 pessoas durante a aparição, que acontece da mesma forma que no dia anterior. À tarde, Antonie Clarens interroga Bernadete sobre os “estranhos” exercícios que Aquerò pede que esta faça: “A visão ordenou-os a mim para penitência”, responde, “em primeiro lugar para mim e depois para os outros”. Clarens pergunta: “Você recebeu algum comunicado... ou alguma missão?”. “Não, ainda não”. À noite alguns pedreiros de Lourdes vão à gruta e escavam no ponto em que Bernadete se inclinava para beber. A partir desse momento, a água começa a jorrar abundante e límpida.

1º de março
segunda-feira: décima segunda aparição
Diante de 1.500 pessoas, Bernadete repete os mesmos gestos de penitência. Antoine Dézirat, jovem sacerdote, assiste de perto: “Bernadete, desfiando seu rosário, movia apenas os lábios, mas, por sua postura, por suas feições, dava para ver que sua alma estava arrebatada. O sorriso superava qualquer outra expressão... Só Bernadete via a aparição, mas todos tinham uma sensação da sua presença... eu achava que estava na antecâmara do Paraíso”. Mais tarde, Catherine Latapie, uma jovem mulher grávida, com uma mão paralisada, sente-se impelida para a gruta, mergulha a mão na água da fonte e se cura de repente de sua enfermidade. Será o primeiro milagre atribuído a Nossa Senhora de Lourdes reconhecido pela Igreja.

2 de março
terça-feira: décima terceira aparição
É assim que Bernadete lembra os fatos desse dia: “Disse-me que fosse pedir aos sacerdotes que construíssem uma capela ali. Fui ao senhor pároco para lhe dizer isso”.
A mensagem é acolhida com frieza. O pároco Peyramale está inseguro. Bernadete insiste para que se construa “uma capela, mesmo que muito pequena”. “Está bem”, responde Peyramale, “antes diga seu nome e faça florescer o roseiral da gruta, depois faremos a capela, que não será pequenina. Será grandíssima”.

3 de março
quarta-feira: décima quarta aparição
De manhã, Aquerò não aparece. Vai fazê-lo à noite, às 21 horas, explicando assim o motivo do “atraso”: “Você não me viu hoje de manhã porque havia aqui pessoas que tinham vindo observar o comportamento que você teria diante de mim, mas não eram dignas”. Bernadete pergunta a Aquerò seu nome, mas ela não responde, limitando-se a sorrir.

4 de março
quinta-feira: décima quinta aparição
É o último dos quinze dias. A aparição se repete na presença de uma enorme multidão, que espera um sinal claro para todos, mas fica decepcionada. Ao final do rosário, rezado na presença de Aquerò, Bernadete se interrompe duas vezes antes de completar um daqueles sinais-da-cruz que impressionavam os presentes por sua beleza e simplicidade. A prima Jeanne Védère lhe pergunta: “Por que você recomeçou três vezes a fazer o sinal-da-cruz?”. “Aquerò ainda não o havia feito. Eu não conseguia fazer a mão chegar até a testa”. “Por que às vezes você estava contente, às vezes triste?” “Eu fico triste quando Aquerò está triste, e sorrio quando sorri”.

A gruta de Lourdes hoje

A gruta de Lourdes hoje

25 de março
quinta-feira: décima sexta aparição
Uma força interior impele Bernadete a voltar a Massabielle. Aquerò está lá de novo e Bernadete repete a pergunta que o pároco lhe sugeriu: “Senhorita, teria a bondade de dizer-me quem é, por favor?”. Aquerò continua a sorrir em silêncio, mas Bernadete desta vez insiste. Então, elevando os olhos para o céu e unindo os braços à altura do peito, ela responde: “Que soy era Immaculada Councepciou / Eu sou a Imaculada Conceição”. Bernadete não entende o sentido dessas palavras. Durante todo o caminho da gruta até a casa do pároco, não pára de repeti-las em voz alta, por medo de esquecê-las. O pároco continua de pedra. “Uma senhora não pode ter esse nome! Você está enganada, sabe o que isso significa?”. Bernadete se limita a repetir aquelas sílabas tal como as ouviu. Peyramale sabe que a menina, em sua ignorância, não pode ter inventado uma definição dogmática. E a comoção começa a crescer nele também.

7 de abril
terça-feira: décima sétima aparição
Esta aparição está ligada ao chamado “milagre do círio”. A chama do círio que Bernadete segura nas mãos durante a visão, que dura quinze minutos, lambe as palmas das mãos de Bernadete sem queimá-las. O doutor Dozous, observando o fenômeno, abandona seu ceticismo e se converte. Nessa ocasião, a santa Virgem renova o pedido de que construam uma capela naquele lugar.

16 de julho
sexta-feira: décima oitava aparição
Ao pôr-do-sol, Bernadete é impelida novamente à gruta. A santa Virgem está ali, como da primeira vez, para um encontro silencioso, o último neste mundo. “O que lhe disse?”, perguntam as amigas. “Nada”. Basta tê-la visto. E conclui: “Nunca a tinha visto tão bela”.


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