Home > Arquivo > 01 - 2008 > E Bernadete dizia...
LOURDES: 11 DE FEVEREIRO A...
Extraído do número 01 - 2008

Os cento e cinqüenta anos de Lourdes

E Bernadete dizia...



Uma antologia de frases de Bernadete e de testemunhos de pessoas que a conheceram


Bernadete não deixou quase nada escrito, mas os arquivos do convento de Saint-Gildard, em Nevers, onde viveu como irmã com o nome religioso Marie-Bernard, conservam as atas do processo canônico e os testemunhos reunidos naquela ocasião entre as religiosas e todos os que tiveram contato com ela, sobretudo nos anos que passou no convento, entre 1866 e 1879. São lembranças, pequenos casos, episódios, respostas que ficaram impressas na memória dos interlocutores. Desse material heterogêneo, o convento de Saint-Gildard, graças ao trabalho de pesquisa do teólogo René Laurentin, extraiu o conteúdo para um pequeno livro, publicado na França em 1978 com o título Bernadette disait... Publicamos aqui uma pequena antologia de passagens do livro, da qual emerge a personalidade de Bernadete e sua maneira simples e profunda de viver a fé cristã. Reproduzimos os testemunhos na ordem cronológica, a mesma usada pelo livro, mencionando em alguns casos o contexto do episódio descrito, para facilitar sua compreensão.


Lourdes 1858-1866

1858

Janeiro
Bernadete é pastorinha em Bartrès.
“Diga a meus pais que aqui eu fico triste. Quero voltar a Lourdes, para ir à escola e me preparar para a primeira comunhão”.

O perÍodo das aparições

21 de fevereiro
Depois da sexta aparição, saindo da sala do comissário Jacomet:
“Por que você está rindo?”, perguntam a ela.
“O comissário tremia. O enfeite do seu quepe fazia tim-tim”.

23 de fevereiro
“Um rio de gente corre pra cá por sua causa!”.
“Mas eles vêm por quê? Com certeza não sou eu que vou lá buscá-los!”.

24 de fevereiro
“Como foi que ela falou com você? Em francês ou em dialeto?”.
“Ah! Essa é boa. Vocês querem que ela fale comigo em francês? Acham que eu sei francês, por acaso?”.

25 de fevereiro
Durante a nona aparição, Bernadete ouve repetidas vezes:
“Penitência... Penitência... Penitência...”.

No final, acontece este diálogo:
“O que foi que ela lhe disse, afinal?”
“Vá beber na fonte e se lavar.”
“E o capim que você comeu?”
“Ela me pediu isso também...”
“O que ela lhe disse?”
“Vá comer o capim que nasce lá.”
; louca por fazer essas coisas?”.
“Pelos pecadores”.

25 de março
Bernadete levanta muito cedo e se veste:
“Tenho de ir até a gruta. Andem logo, se quiserem me acompanhar”.
“Pense só um pouco, isso vai lhe fazer mal...”.
“Já estou curada”.
“Espere ao menos o sol nascer!”.
“Não, eu tenho de ir, e logo”.

Na gruta, diante da aparição:
“Senhorita, poderia ter a bondade de dizer-me quem é, por favor?”.

Afastando-se da gruta, Bernadete riu:
“Você ficou sabendo de alguma coisa?”.
“Não diga a ninguém, mas Aquilo me disse: ‘Eu sou a Imaculada Conceição’”.

27 de março
Exame médico realizado por três doutores:
“Você sente dores de cabeça, às vezes?”.
“Não”.
“Já teve alguma crise nervosa?”.
“Nunca”.
“Mas a sua saúde parece precária”.
“Eu como, bebo e durmo muito bem”.

Durante o exame médico, falando sobre a Virgem:
“Claro que sim, eu a vejo como vejo vocês. Ela se move, fala comigo, estende os braços”.
“Você não fica com medo quando vê tantas pessoas ao seu redor?”.
“Não vejo nada ao meu redor”.

Maio
Bernadete corre o risco de ser presa novamente:
“Não tenho medo de nada, pois sempre disse a verdade”.

4 de junho
No dia seguinte à primeira comunhão de Bernadete, Emmanuélite Estrade pergunta a ela:
“O que a fez ficar mais feliz: a primeira comunhão ou as aparições?”.
“São duas coisas que caminham juntas, mas que não se podem comparar. Fiquei muito feliz com as duas”.

16 de julho
Última aparição. Ao cair da tarde, Bernadete se sente impelida a ir à gruta:
“O que ela lhe disse?”.
“Nada”.


Depois de 16 de julho, as provações:
o assédio dos visitantes

28 de agosto
Ao abade de Fonteneau:
“Eu não o obrigo a acreditar em mim, mas não posso deixar de responder dizendo o que vi e ouvi”.
“Quer dizer, Bernadete, que a Virgem Santa lhe prometeu o céu e, por isso, você não precisa mais cuidar de sua alma?”.
“Oh, padre, eu só irei para o céu se me comportar como se deve”.

17 de novembro
Na gruta, depois do interrogatório da comissão eclesiástica:
“Estou muito cansada!”.

1859

Maio
Marie de Cornuijer-Lucinière a interroga a respeito dos segredos:
“Você os contaria ao Papa?”.
“Ele não precisa saber deles”.

1860

O abade Junqua visita Bernadete. Depois de duas horas de conversa, diz a ela:
“Eu voltarei... Lembre-se de mim! Prometa-me que vai se lembrar de mim!”.
“Oh, isso eu não prometo! Vejo tanta gente, e de todo tipo”.

7 de dezembro
Interrogatório diante de dom Laurence, bispo de Tarbes:
“Não parece ser uma idéia digna de Nossa Senhora obrigá-la a comer capim”.
“Mas nós comemos salada!”.

1861-1862
O abade Bernadou quer fotografar Bernadete para fixar a expressão que seu rosto assumia durante as aparições:
“Não, não está certo. Você não fazia essa cara quando Nossa Senhora estava ali”.
“Mas agora ela não está!”.

1864

Tiram fotos de Bernadete. As fotografias são vendidas por um franco cada...
“Você acha que a vendem por um preço suficiente, Bernadete?”.
“Mais do que eu valho”.

1866

Na véspera da partida para Nevers, Justine, filha de sua ama-de-leite, Marie Lagües, vai encontrar Bernadete:
“Você não fica triste por ir embora?”.
“O pouco tempo que temos no mundo, é preciso que o empreguemos bem.


NEVERS 1866-1879

Testemunhos das religiosas e de pessoas que encontraram Bernadete durante a sua permanência na casa-mãe da Congregação das Irmãs da Caridade de Nevers, de 1866 até sua morte, em 16 de abril de 1879.

1866

Julho
Irmã Emilienne Duboé:
Bernadete ficou sob meus cuidados desde sua chegada ao noviciado, para que se acostumasse. [...] O que lhe doía era não ver mais a gruta de Lourdes. “Se você soubesse”, ela me disse, “o que eu vi de bonito ali”. Eu tinha a tentação de perguntar, mas ela me respondeu que não podia dizer nada, que a mestra das noviças a havia proibido. Dizia-me: “Se você soubesse como Nossa Senhora é boa!”.
Um dia Bernadete me mostrou que eu fazia mal o sinal da cruz. Eu respondi a ela que certamente não o fazia tão bem quanto ela, que o aprendera de Nossa Senhora. “É preciso ter atenção”, ela me disse, “pois fazer bem o sinal da cruz significa muito”.

Irmã Charles Ramillon:
A maneira como fazia o sinal da cruz me impressionava profundamente. Procuramos várias vezes fazer igual, mas sem sucesso. Então dizíamos: “Dá pra ver como foi a própria Nossa Senhora que o ensinou a ela”.

Irmã Emilie Marcillac:
Irmã Marie-Bernard tinha uma piedade doce, simples, sem nada de especial. Era muito precisa, não falhava no silêncio, mas era impressionante o seu jeito vivo nos momentos de recreação. Não gostava de uma piedade carregada. Um dia ela me disse rindo, apontando uma noviça que sempre fechava os olhos: “Você vê a irmã X? Se não tivesse uma companheira que a conduz, sofreria um acidente. Por que fechar os olhos, quando é preciso mantê-los abertos?”.
Durante suas crises de asma, tinha ataques de tosse que arrebentavam o seu peito; mesmo vomitando sangue e sufocando, nunca deixava escapar um lamento, uma reclamação. Eu só a ouvia pronunciar o nome de Jesus. Depois de dizer: “Meu Jesus!”, ela olhava para o crucifixo, e em seus olhos havia algo inexprimível, mas que dizia tanta coisa...

Outubro
Irmã Emilie Marcillac:
Em outubro, no dia 25, ela passou muito mal. [...] Pensávamos que não passaria daquela noite. [...] Fiquei muito surpresa do dia seguinte, quando fui vê-la em seu leito às quatro e meia da manhã para saber notícias; achei que ela estaria em agonia. Em vez disso, ela me respondeu com uma voz clara: “Estou melhor, o Senhor não me quis, fui até a porta dele e Ele me disse: volta pra trás, ainda é muito cedo”.

1867

Maio
Irmã Bernard Dalias:
Eu estava em Nevers havia três dias, e me confessei admirada por ainda não conhecer Bernadete. A superiora que me havia acompanhado apontou uma noviça que estava perto dela, pequena, sorridente, e disse: “Bernadete? Olha ela aqui!”. Deixei escapar uma expressão impertinente e exclamei: “Só isso?”. Bernadete me respondeu: “É verdade, senhorita, é só isso!”. Posso dizer que desde aquele momento demonstrou uma grande simpatia por mim.

Irmã Brigitte Hostin:
Fui colega de noviciado de irmã Marie-Bernard; tive esse privilégio durante sete ou oito meses. Pude admirar nela uma grande piedade, um humor sempre igual - coisa rara -, uma simplicidade de menina, e, sobretudo, uma grande humildade. Quando ela era obrigada a responder às cartas que alguns grandes personagens lhe escreviam a respeito dos favores que Nossa Senhora lhe havia concedido, essa humildade a fazia dizer: “Se não fosse por obediência, eu não responderia”.

Setembro
Irmã Joseph Caldairou lembra algumas expressões de Bernadete:
“Só Deus sabe quanto me custa ter de me apresentar diante dos bispos, dos padres, das pessoas do mundo”.
“Não consigo achar bonita nenhuma imagem de Nossa Senhora, depois de ter visto a original”.

1868

Irmã Charles Ramillon:
Eu estava presente, um dia, quando uma de nós lhe disse: “Você contou os segredos de Nossa Senhora à madre superiora?”. “Não.” “Nem à mestra das noviças?” “Nem a ela.” Então, acrescentei: “Mas, e se o Santo Padre perguntasse quais são esses segredos?”. Ela respondeu: “Eu pensaria no caso”.

Novembro
Conde Lafond:
Dom Chigi [núncio apostólico na França, ndr.] mandou chamar irmã Marie-Bernard ao parlatório. “Filhinha”, perguntou a ela, “você não teve medo quando viu Nossa Senhora?”. “Oh, sim, monsenhor, muito; mas só da primeira vez; depois, era tão bonita!”.

1869

Agosto
Irmã Bernard Dalias:
Uma palavra dela já fazia o bem. Diante de pessoas que sofriam com a dor, ela dizia: “Vou rezar por vocês”.
Mais de uma vez a surpreendi com o rosto inundado de lágrimas. Eu a interrogava com o olhar: “Oh”, ela me sussurrava, “rever a gruta, uma vezinha que fosse, de noite, sem que ninguém ficasse sabendo...”.
Eu era encarregada de entoar o canto para a oferta da recreação. Irmã Marie-Bernard chegou um dia, depois da oração, e me disse: “Qualquer hora, cante ‘Com minha mãe estarei’”. E nisso seus olhos assumiram uma expressão de desejo, de tristeza indefinível, e vi duas lágrimas rolarem...
Bastava ouvi-la dizer, com plena convicção: “Rezem por mim, pobre pecadora, sobretudo na hora da morte”, para entender que sabia perfeitamente bem que teria de invocar o crédito que a Virgem lhe prometera por sua fidelidade.
Irmã Emilienne Robert:
Falava sobre nós nos corrigirmos dos nossos defeitos, e eu lhe disse que isso é difícil. Ela então arregalou os olhos e me respondeu vivamente: “Mas, como?! Receber com tanta freqüência o pão dos fortes e não ser mais corajosa!”.

Outubro
Conde Lafond:
O abade de M. lhe disse, na minha presença, que estava chegando de Lourdes e havia encontrado o padre Hermann e o senhor Lasserre, ambos agraciados com o dom da visão. Irmã Marie-Bernard abriu seus grandes olhos, até então abaixados. “Eu vi”, acrescentou o abade, “a imagem que puseram na gruta. Tem as mãos juntas, deste jeito. Era assim mesmo que Nossa Senhora aparecia?” “Sim, padre. Mas quando ela me disse: ‘Sou a Imaculada Conceição’, fez assim.” E fez um gesto de tamanha beleza que nos comovemos até as lágrimas. Parecia que víamos uma cópia viva da Rainha do Céu, quando apareceu sobre a rocha de Massabielle.
Uma senhora de Nevers perguntou um dia a ela: “Você nunca mais reviu a Virgem depois das dezoito aparições?”. Duas lágrimas enormes encharcaram suas pálpebras: foi a única resposta.

Irmã Cécile Pagès:
Eu dizia a irmã Marie-Bernard que muitas pessoas eram curadas pela água de Lourdes, depois de uma novena. “Oh”, ela disse, “talvez a Virgem queira que rezem bastante. Houve uma pessoa que só foi curada depois de nove novenas”.

1870

Abril
Irmã Angèle (na época, postulante):
Irmã Marie-Bernard me perguntou: “Senhorita, o que você tem?”. Eu lhe respondi: “Acabo de receber uma notícia ruim: minha mãe está para morrer; talvez a esta hora já esteja morta”. Então irmã Marie-Bernard me disse, com um sorriso que jamais esquecerei e aquele seu olhar penetrante: “Não chore, Nossa Senhora vai curá-la; vou rezar por ela”.

Agosto
Irmã Madeleine Bounaix:
Em 15 de agosto de 1870, eu estava com ela na enfermaria São José; ela havia me dado uma fruta para o lanche; nós conversávamos sobre a festa daquele dia e eu lhe disse: “Irmã, você vai rezar por mim hoje?”. “Sim, mas com uma condição: que você também o faça por mim. Todos precisamos de orações.” Eu, então, acrescentei: “Como deve ser bonita a festa no céu, e Nossa Senhora, como deve ser bonita também”. “Oh, sim”, ela disse, “depois que a gente a vê, não consegue mais ficar apegada à terra!”.
Algum tempo depois, irmã Marie-Bernard recebeu uma carta de padre Peyramale, pároco de Lourdes, na qual havia uma fotografia da Basílica. Olhando para a foto, ela me perguntou: “Você conhece Lourdes?”. Quando eu respondi que não, ela me disse: “Pegue, esta é a foto da Basílica”, e, com o dedo, apontava a gruta. Perguntei: “Onde você estava quando Nossa Senhora lhe apareceu?”. Ela me indicou o lugar, com toda a simplicidade. Acrescentei: “É uma lembrança doce demais para você, irmã”. Assumindo um ar grave, quase triste, irmã Marie-Bernard me respondeu: “Oh, sim! Mas eu não tinha nenhum direito a essa graça”.

Dezembro
Conde Lafond:
Irmã Marie-Bernard... essa irmã não serve para nada, no entanto é considerada o tesouro de Saint-Gildard; olham para ela como o baluarte da cidade episcopal e lhe atribuem a salvação durante a invasão de 1870; os prussianos estavam em todos os condados vizinhos e quase às portas de Nevers. O cavalheiro Gougenot des Mousseaux, que viu Bernadete na época, fez-lhe algumas perguntas: “Na gruta de Lourdes, ou depois dela, você obteve alguma revelação relativa ao futuro e ao destino da França? A Virgem não a encarregou por acaso de transmitir advertências ou ameaças à França?”. “Não.” “Os prussianos estão chegando: você não tem medo?” “Não.” “Não há nada a temer, então?” “Eu só tenho medo dos maus católicos.” “Não tem medo de mais nada?” “Não, de nada”.

1871

Madre Marie-Thérèse Bordenave:
No final de 1870 ou no início de 1871, ainda havia enfermarias militares de campo na casa-mãe; um dia, a farmácia pegou fogo; a noviça de plantão ficou tão impressionada que sofreu de dores terríveis durante 24 horas. Irmã Marie-Bernard, com pena, disse a uma irmã, depois que haviam esgotado todas as possibilidades de remédio: “Vou tentar lhe dar água de Lourdes; rezem comigo e façam-no com fervor”. Fizeram isso: alguns minutos depois, as dores haviam cessado.

Antes de agosto
Irmã Madeleine Bounaix:
Eu ficava impressionada com a sua retidão e sinceridade. Não creio que tenha mentido alguma vez, e, sobre isso, lembro-me de um episódio que confirmou minha opinião. Um dia falávamos de Lourdes e de Bartrès, e ela me disse: “Você não pode imaginar como eu era ignorante. Imagine que meu pai, vindo me encontrar, me viu guardando o rebanho, muito triste. Quando ele me perguntou o motivo daquilo, eu lhe respondi: ‘Olha só as minhas ovelhas, várias delas têm as costas verdes’. E ele, rindo: ‘É o capim que elas comeram que já está saindo pelas costas: talvez elas morram’. E então chorei de verdade, e meu pai, me vendo tão cheia de dor, me consolou e me explicou que aquela era a marca do comerciante ao qual eles as haviam vendido”. Ouvindo essa história, pus-me a rir e disse a ela: “Como assim? Você era tão ingênua a ponto de acreditar numa coisa como aquela?”. Ela me respondeu: “Minha querida, como eu não sabia mentir, acreditava em tudo o que me diziam”.
Um dia falávamos das práticas de piedade para com Nossa Senhora. Eu lhe disse que havia uma de que eu gostava muito: rezar doze ave-marias em honra dos doze privilégios da Mãe de Deus. Ela me respondeu com um ar feliz e satisfeito: “Continue com essa prática; agrada muito a Nossa Senhora”.

Agosto
Irmã Vincent Garros, de nome secular Julie Garros, amiga de infância de Bernadete:
Em Lourdes, havia uma congregada, conhecida pelo nome de senhorita Claire, muito pia, que sofria havia muito tempo. Quando cheguei à casa-mãe, Bernadete quis saber notícias dela, e eu lhe disse: “Ela não apenas sofre pacientemente, mas diz também estas palavras, que me deixam realmente surpresa: ‘Eu sofro muito, mas se isso não basta, que o Senhor me acrescente mais sofrimento ainda!’”. Irmã Marie-Bernard fez uma reflexão: “É bem generosa; eu não faria a mesma coisa. Eu me contento com aquilo que ele me manda”.
Ela gostava também de me contar que, do rebanho do qual cuidava, tinha uma predileção particular por um carneirinho branco. Quando ela conseguia armar o seu altar de flores no campo, ele vinha e o demolia com uma chifrada; e quando estava conduzindo o rebanho, o carneirinho começava a correr e, com uma chifrada abaixo de seus joelhos, fazia-a cair, o que a divertia muito. Para puni-lo, Bernadete lhe dava pão com sal, que ele adorava.
No noviciado, eu dizia a Bernadete, quando ela estava doente, na enfermaria: “Você sofre muito, não é?. Ela me respondia: “O que você quer? Nossa Senhora me disse que eu não seria feliz neste mundo, mas no outro”.
Ela nos aconselhava freqüentemente que perdoássemos, que não esquecêssemos a invocação do Pai Nosso: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos...”.
Ela me disse também: “Quando você passa na frente da capela e não tem tempo para parar, encarregue seu anjo da guarda de levar sua mensagem ao Senhor no tabernáculo. Ele vai levá-la e depois a alcançará de novo”.
Acredito que Bernadette meditava os mistérios, pois um dia, quando eu lhe disse que não conseguia rezar ou meditar, ela me sugeriu que fizesse assim: “Transporte-se até o Monte das Oliveiras ou até os pés da cruz, e fique por lá: o Senhor vai lhe falar e você o escutará”. Às vezes eu lhe dizia: “Eu estive lá, mas o Senhor não me disse nada”. Mesmo assim, eu continua a rezar.
Um dia eu lhe disse: “Como é que você consegue ficar tanto tempo em ação de graças?”. Ela me respondeu: “Penso que é Nossa Senhora que me dá o Menino Jesus. Eu o pego no colo. Falo com ele e ele fala comigo”.
Sei que, entre os santos, Bernadete tinha uma devoção particular por São José. Ela repetia estas invocações: “Dá-me a graça de amar Jesus e Maria como eles querem ser amados. São José, reza por mim. Ensina-me a rezar”. E me dizia: “Quando não conseguimos rezar, devemos nos dirigir a São José”.
Ela me dizia também: “Quando você está diante do Santíssimo tem, de um lado, Nossa Senhora, que lhe inspira o que você deve dizer ao Senhor, e, do outro, o seu anjo da guarda, que anota as suas distrações”.
Bernadete dizia: “Temos de receber bem o Senhor. Temos todo o interesse de lhe dar uma boa acolhida, uma acolhida amável, pois então ele terá de nos pagar o aluguel”.
Ela me dizia que antes de realizar qualquer ação é preciso purificar a intenção. Eu lhe observava que isso era difícil. Ela me respondia: “É preciso fazê-lo, pois assim se age melhor e custa menos”.
Ela dizia: “Se você trabalha para as criaturas, não terá recompensa e ficará muito mais cansada”.
Numa outra oportunidade, na enfermaria, ela me disse: “Vou lhe dar um bom lanche”. Havia frutas em conserva. Ela me serviu e disse: “Hoje é sábado, eu não vou comer; farei esta pequena mortificação por Nossa Senhora”.
Bernadete, eu tenho certeza, sempre controlou seus impulsos interiores. A respeito disso, ela me dizia: “O primeiro impulso não nos pertence, mas o segundo, sim”.
Quando tinha crises de asma – freqüentes, infelizmente – dava pena. Nunca se lamentou. Quando passava a crise, dizia: “Obrigado, Senhor!”.
A Virgem lhe havia pedido que rezasse pelos pecadores; ela devia fazer isso, certamente. Mais de uma vez, me disse: “Rezemos pela família tal, para que a Virgem a converta”.
Muitas vezes, depois da oração, Bernadete acrescentava: “Senhor, livrai as almas do purgatório”. De vez em quando, rezávamos juntas o rosário dos defuntos e acabávamos assim: “Doce Coração de Jesus, sede o meu amor, doce Coração de Maria, sede a minha salvação. Meu Jesus, misericórdia! Concedei o repouso eterno às almas dos fiéis defuntos”.

Novembro
Irmã Eléonore Bonnet:
No dia de Todos os Santos, eu soube que Bernadete estava doente. Conhecendo seu amor pelas flores, colhi violetas, que, apesar da época, haviam florescido perto da parede da cozinha, e mandei-as a ela por intermédio de uma noviça que trabalhava na enfermaria.

Madre Marie-Thérèse Bordenave:
Um dia, uma superiora lhe perguntava se não tinha experimentado um sentimento de satisfação pelos favores que a Virgem lhe concedera. “O que a senhora pensa de mim? Quer que eu não saiba que, se Nossa Senhora me escolheu, é porque eu era a mais ignorante? Se tivesse encontrado uma mais ignorante, ela a teria pego, e não a mim”.

Irmã Joseph Ducout:
Eu a vi sofrer moral e fisicamente. No sofrimento, nunca disse uma palavra que exprimisse sua dor. Pegava o crucifixo, olhava para ele, e pronto.

Irmã Madeleine Bounaix:
“O que você faz aqui?”, ela me disse. “Estou de partida, e espero a mestra das noviças.” Ela continuou: “E para onde você vai?”. “Para Beaumont.” “Bem, irmã, não esqueça o que eu lhe digo: onde quer que você esteja, lembre-se sempre de trabalhar só pelo Senhor. Você entende, não é? Pelo Senhor”.

Dezembro
Irmã Victoire Cassou:
Bernadete me disse: “Na missa da meia-noite, venha ficar perto de mim. Há lugar”. Fui toda contente. Assim, pude constatar como era pia e recolhida. Escondida atrás de seu véu, nada podia distraí-la. Depois da comunhão, entrou num recolhimento tão profundo que todos saíram, sem que ela parecesse nem se dar conta. Fiquei a seu lado, pois não tinha nenhuma vontade de ir para o refeitório com minhas companheiras. Contemplei-a durante um longo tempo, sem que ela percebesse. Seu rosto estava radiante e celestial, como durante o êxtase das aparições.
Quando a irmã encarregada de fechar as portas da igreja veio cumprir seu dever, agitou com força as correntes. Só então Bernadete saiu de seu estado semelhante a um êxtase.
Saiu da capela e eu a segui. E, no claustro, inclinou-se para mim e sussurrou: “Você não comeu nada (no refeitório)?”. E eu respondi: “Nem você”. Retirou-se em silêncio e nós nos separamos assim.

1872

Agosto
Irmã Eudoxie Chatelain:
Bernadete tinha uma devoção especial por São José, o que me deixava um pouco impressionada, já que ela era a filha privilegiada de Nossa Senhora. Um dia, eu a ouvi dizer: “Vou fazer uma visitinha a meu pai”. Era São José: ela ia sempre rezar para ele na capela.
Dizia: “Amem muito o Senhor, minhas filhas. Nisso está tudo”.

Agosto-outubro:
Durante uma recreação, uma noviça pegou um morcego que havia caído. Grandes exclamações. Bernadete estava presente. Irmã Julienne Capmartin:
“Oh, como é que você pode pegar com a mão um bicho tão horrível!”. E acrescentou: “É a imagem do diabo!”.
Irmã Marie-Bernard ficou séria e se virou para mim: “Saiba, irmã, que nenhum animal é a imagem do diabo; só a ofensa a Deus pode ter essa imagem”.
Disse: “Quando insistimos muito em alguma coisa, isso não agrada a Deus”.
Uma vez me surpreendeu lendo meu livro de Filha de Maria, quando ela me havia recomendado que ficasse bem recolhida debaixo das cobertas... Então tomou bruscamente o livro da minha mão, dizendo: “Eis aqui um fervor vestido de desobediência, é o que eu digo!”. Foi inútil pedir meu livro de volta. Não o vi mais...

1873

Maio
Elisa (órfã de Varennes):
Estávamos no ano de 1873 (dia 12 de maio). Bernadete, em visita a Varennes (orfanato dirigido pelas freiras), tinha ido até o oratório de Nossa Senhora, no bosque, com umas vinte órfãs.
Estava convalescendo e mal se segurava em pé...
Quando chegou ao fim da breve peregrinação, Bernadete se sentou e, diante daquele oratório gracioso, dirigiu uma exortação às meninas, no estilo conciso que sempre lhe foi habitual: “Meninas, amem muito a Nossa Senhora, e rezem muito a ela. Ela as protegerá...”. Depois convidou suas jovens ouvintes a cantarem alguma coisa. Elas cantaram: “Com minha mãe estarei na santa glória um dia...”.

Junho
Jeanne Jardet (cozinheira):
Eu me lembro de que um ano teve uma longa doença, durante a qual fomos privadas de suas visitas. Quando voltou, irmã Cécile (Fauron, despenseira encarregada das domésticas) felicitou-a por sua cura. Bernadete respondeu: “Não quiseram saber de mim lá em cima...”. E o disse com uma tal graça, que fiquei com lágrimas nos olhos.

Irmã Eudoxie Chatelain:
Um domingo, a mestra das noviças, madre Thérèse Vauzou, permitiu que fôssemos encontrar Bernadete, em grupos de doze ou quinze. Bernadete nos recebeu com muita amabilidade, como se fôssemos irmãs mais novas... Ficamos em círculo ao redor de seu leito, e cada uma disse alguma coisa.
Uma de nós, grande e forte, perguntou a ela se havia sentido medo quando recebeu a extrema-unção. “Medo de quê?”, disse Bernadete. “Eu teria medo de morrer se visse o último momento se aproximar!”, disse a outra. “Oh, nós nunca sabemos qual é esse momento. E quando chega, o Senhor nos dá a força para enfrentá-lo”.

Irmã Gonzague Cointe:
Eu estava na enfermaria. Uma irmã pôs no leito dela a fotografia de uma peregrinação ou da Basílica de Lourdes: “Você ficaria bem contente se fosse à gruta de Massabielle, não é?”. Toda sorridente, ela ergueu os olhos para o céu e, apesar da crise de asma que a fazia sofrer tanto, respondeu: “Não, não sinto o desejo disso. Faço generosamente o sacrifício de não mais rever Lourdes. Tenho uma única aspiração, a de ver a Virgem Santa glorificada e amada”.

Madre Henri Fabre:
Quando o bispo de Nevers, de partida para Lourdes, perguntou a irmã Marie-Bernard se queria ir também, ela respondeu: “Fiz o sacrifício de Lourdes. Verei a Virgem no céu, e será muito mais bonito”.

1874

Julho
Irmã Vincent Garros:
Um dia, na sacristia, eu quis tocar um purificador. Ela me deteve, dizendo: “Você ainda não pode fazer isso”. E a vi pegar o purificador com imenso respeito e recolocá-lo na bolsa. Qualquer um diria que, enquanto o tocava, rezava, tamanho o respeito com que o fazia.

1875

Irmã Julie Ramplou:
Às vezes, durante o trabalho, irmã Marie Mespoulhé rezava o rosário com as irmãs do convento. Irmã Marie-Bernard sublinhava a expressão “pobres pecadores”. Um dia disseram isso a ela. Irmã Marie-Bernard respondeu: “Oh, sim! Temos de rezar muito pelos pecadores. Nossa Senhora o recomendou”.

1876

Antes de junho
Irmã Marcelline Durand:
Era penoso para ela ficar inativa. Assim, um dia ela disse a uma freira também doente: “Com três ventosas, você se recupera. Mas eu... nada me fará sair daqui”. E logo elevou o olhar para o céu e disse: “Meu Deus, sede bendito em todas as coisas. Nós temos cada um o nosso meio, o nosso caminho para chegar até vós”


Italiano Español English Français Deutsch