XXV ANOS DE PONTIFICADO. Entrevista com o cardeal Achille Silvestrini
Os três desafios de Wojtyla
O comunismo, o consumismo e, depois de 11 de setembro, a paz.A primeira encíclica, a Redemptor hominis, é o ponto cardinal deste grandioso programa. Palavras do prefeito emérito da Congregação para as Igrejas Orientais
de Giovanni Cubeddu
O cardeal Achille Silvestrini
Depois de 25 anos de pontificado, para o senhor quem é Papa João Paulo II?
ACHILLE SILVESTRINI: Podemos dizer que este pontificado, quanto mais passa o tempo e quanto mais nos detemos pensando, assume dimensões cada vez maiores, nunca antes imaginadas. É um pontificado que tem uma grande força de proposta religiosa e ao mesmo tempo uma capacidade de enfrentar os acontecimentos com coragem e com intuição profética. João Paulo II começou, logo depois da sua eleição, com o desafio ao comunismo, que, porém, não era um desafio político, mas moral e religioso. A Redemptor hominis é o seu ponto cardinal. Ela é o desdobramento daquele proêmio da Gaudium et spes, a relação entre Cristo e o homem, no qual Karol Wojtyla trabalhara muito como membro do Concílio Vaticano II. Wojtyla baseia-se neste princípio segundo o qual, com a encarnação, Cristo de algum modo une-se a cada homem, e revela ao homem o significado de si mesmo. O humanismo é totalmente fundamentado na cristologia, por isso o homem é o caminho obrigatório para a Igreja, a qual não pode deixar de se dedicar a servir o bem do homem. Desses princípios descendem os direitos da pessoa humana, que é o valor com o qual se mede a legitimidade ou não de todos os sistemas políticos e sociais. Portanto, baseando-se nessas razões os regimes comunistas são acusados pelo “erro antropológico” fundamental do marxismo: o de imaginar o homem em uma só dimensão, a econômica, interpretada materialisticamente, que, sobretudo, era regulamentada com a autoridade a partir de cima, impedindo ao homem de exprimir-se plenamente.
A oposição do Papa não foi uma oposição política, mas baseada em valores de fé – a relação entre Cristo e o homem – e critérios filosóficos – a condenação do erro antropológico citado acima. Esse foi o ponto de partida de Wojtyla e nós vimos como atuou.
Na sua primeira viagem à Polônia suscitou o grande movimento do Sindicato Solidariedade, que desafiou o governo baseado nesses valores do homem. Porém, em 1981, com a lei marcial de Jaruzelski, parecia que tudo tinha acabado. Sou testemunha de que o Papa – mas já está na história – foi um dos poucos que nunca renunciou à possibilidade de que o Solidariedade voltasse à ativa. E enquanto na própria Polônia pensavam que o sonho tinha acabado, ele pensava que não, e disse isso claramente quando encontrou Jaruzelski: “Senhor general, contesto o que o senhor propõe ao povo polonês, porque é a negação do bem do homem”.
Mesmo em assuntos políticos e diplomáticos, depois de saber todas as informações possíveis, depois de ter estudado em conjunto e avaliado todas as possibilidades, a verdadeira pergunta que fazia a todos nós era esta: “O que o Senhor gostaria? O que o Evangelho nos inspira?”. Não dava supremacia aos argumentos de oportunidade política ou às vantagens diplomáticas concretas
É interessante que o Papa Wojtyla, diante do marxismo, sabia distinguir entre a sua origem – “as exigências das quais o socialismo real tinha partido, ou seja, a usurpação à qual um inumano capitalismo submetera o proletariado”, como disse o próprio Papa em Riga, na Letônia, em 9 de setembro de 1993 – e a sua realização, baseada em uma escolha antropológica errada, que não considerava a realidade do homem, que vive também de fé, de arte e de poesia... E com isso já se intuía a segunda fase do pontificado.Por quê?
SILVESTRINI: Esse modo de enfrentar os regimes do Leste é coerente com o desafio que, mais tarde, o Papa João Paulo II lançou ao consumismo. Com efeito, na Laborem exercens e na Centesimus annus ele diz que o mercado é um instrumento que revela o bom andamento da empresa e a liberdade de mercado é indispensável. Porém, isso não resolve as necessidades do homem, porque há valores não considerados que não são satisfeitos com a liberdade econômica. A categoria de consumismo também é filtrada antropologicamente: uma economia que produz não se confronta por si com o tema da família, da relação entre povos mais ricos e mais pobres. Deve ser notado que o liberalismo econômico é visto como um perigo mais insidioso do que o comunismo, porque não é a negação ateísta de cada dimensão transcendente, mas nasce exatamente de uma civilização que tem historicamente raízes cristãs. Mas o Papa nunca renunciou a este novo desafio.
Há uma lógica que vigora em todo o pontificado, e ela nasce da visão do Papa Wojtyla que se exprime na Redemptor hominis. Ali está a origem. É claro que também a Sollicitudo rei socialis está nessa linha, mas é um elemento como as outras encíclicas deste Papa, de uma constelação ao redor da Redemptor hominis.
Mas há também, chamemos assim, uma terceira fase do pontificado...
A cerimônia de canonização dos beatos Daniel Comboni, José Freinademetz e Arnaldo Janssen em 5 de outubro de 2003
SILVESTRINI: A da paz, depois de 11 de setembro. Na qual afirma que a guerra é inaceitável em qualquer circunstância e o único uso consentido para as armas é a legítima defesa. Aqui, João Paulo II retoma João XXIII na Pacem in terris, na afirmação que na situação atual de tecnologia militar é impensável, ou melhor, alienum a ratione, a guerra como instrumento de solução dos conflitos internacionais. O Papa João Paulo II repetiu isso também na mensagem da paz deste ano e aprofundou com vigor em todos os seus pronunciamentos sobre a guerra contra o Iraque. Sem nenhuma indulgência pelo regime de Saddam Hussein, o Papa preocupava-se com a possibilidade de a comunidade internacional renunciar a uma solução baseada na Carta da ONU, ou seja, nos princípios, e que se chegasse a uma solução unilateral, como infelizmente aconteceu.
Na época da guerra contra o Iraque foi dito que a mensagem de paz do Papa era universalmente compartilhada porque não representava um ato exclusivo da fé cristã, mas de um sentimento comum religioso...
SILVESTRINI: Por isso era mais provável obter a colaboração dos seguidores das outras religiões. Baseava-se completamente no conceito de que Deus não pode querer o ódio e a morte de seres humanos. Deus exprime uma paternidade que é a base da paz e da possibilidade de que os homens descubram caminhos de solidariedade. Papa João Paulo II eliminou todas as sugestões de que as religiões como tais, e para afirmarem a si mesmas, possam justificar a intolerância e a guerra santa. Então, com isso esclarecido, damo-nos conta de que, ao contrário, é a fé em Deus, que é pai de todos, que faz com que todos os seus fiéis tornem-se irmãos. Portanto, a paz irrompe dessa visão religiosa da vida humana.
João Paulo II saúda os fiéis no final da celebração litúrgica
SILVESTRINI: Nem sempre. E isso aconteceu de várias maneiras. Por exemplo, a Conferência Episcopal dos Estados Unidos disse coisas muito semelhantes às afirmações do Papa sobre a paz. Porém, lembro... na América Latina, quando a visitou, havia posições diferentes, podemos dizer que havia lentidão em seguir o Papa, não digo resistência, mas uma certa distância. Havia uma Igreja que algumas vezes ia para um lado, com a Teologia da Libertação, e uma outra que era vacilante em aceitar as propostas do Papa por motivos contrários. Aconteceu.
Um discutido tema sobre a distância entre o Papa João Paulo II e a Igreja foram os mea culpa pelos comportamentos com alguns homens de Igreja no passado, para Jan Hus, a tragédia de São Bartolomeu, o anti-semitismo... O Papa não pretendia condenar pessoas do passado, mas purificar hoje a memória da Igreja de tudo o que não corresponde à sua missão. Para que a Igreja libertasse-se e não repetisse os erros. Alguns ambientes estavam preocupados, pois, se a Igreja começava a desmentir o seu passado, no futuro poderia acontecer que alguém fosse desmentir o que ela faz agora.
Sobre o mea culpaýpara com os judeus, o Papa foi protagonista único, pois ele mesmo tomou a iniciativa e foi adiante. Não apenas quando foi visitar a Sinagoga de Roma, mas também durante o Jubileu do Ano 2000, quando colocou o seu pedido de perdão no Muro das Lamentações e visitou o Yad Vashem. Ele quis eliminar de uma vez por todas o mal-entendido sentimento de desconfiança para com os judeus. Vai ser assim, deverá desaparecer; porém não acontecerá com a velocidade com a qual o Papa João Paulo II gostaria, mas com o tempo.
Os gestos deste Papa têm uma velocidade e o da Igreja outra.
SILVESTRINI: É claro, porque depois de um gesto é preciso esperar a inculturação. A geração, mesmo vendo o gesto, tem dificuldade em adaptar-se imediatamente, tem a sua história. É preciso esperar a nova geração para provar a eficácia do gesto. Ainda hoje podemos dizer que o Vaticano II tem problemas de inculturação... E ainda, o Papa, depois do encontro de Assis em 1986, na reunião com a Cúria no Natal, quis explicar aquele gesto. Entendia-se claramente que advertia que havia os que não eram consonantes. Havia o medo de que se desse a impressão de alimentar uma espécie de sincretismo religioso. Mas ele explicou que em Assis cada um tinha invocado com os outros o bem da paz, mas as modalidades de oração tinham ficado bem distintas. Comprovando isso, a própria oração ecumênica de Assis foi recitada apenas pelas confissões cristãs, não com os budistas ou os muçulmanos... O Papa fez questão de evidenciar isso.
João Paulo II com o primaz da comunhão anglicana, Rowan Douglas William, em 4 de outubro de 2003
Qual a lembrança deste Papa que mais o impressiona?
SILVESTRINI: Mesmo em assuntos políticos e diplomáticos, depois de saber todas as informações possíveis, depois de ter estudado em conjunto e avaliado todas as possibilidades, a verdadeira pergunta que fazia a todos nós era esta: “O que o Senhor gostaria? O que o Evangelho nos inspira?”. Não dava supremacia aos argumentos de oportunidade política ou às vantagens diplomáticas concretas. Nós éramos chamados para sermos fiéis e para observar se o que estávamos por fazer “corresponde ao bem do homem e à missão da Igreja, como nos ensina o Evangelho”.
Permita-me uma pergunta pessoal. Quando o senhor reza pelo Papa, mesmo nestes dias, o que o senhor pede?
SILVESTRINI: Que o Senhor lhe doe o que é melhor para ele e para a Igreja. E peço que possa ter saúde e vigor: este é o pedido mais natural. Mas também, como em todas as orações, “seja feita a vossa vontade”. Como no Evangelho de Lucas, Maria responde ao anjo: “Sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!”