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OS 27 CARDEAIS
Extraído do número 03 - 2007

É verdade, o Papa faz anos...!



do cardeal Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, S.D.B.



As pessoas comuns fazem anos, e é justo que festejemos; mas a pessoas como Bento XVI os anos que restam servem para realizar sua missão. Por isso, o significado do aniversário é diferente, trata-se de pedir a Deus que lhe permita levar a cabo seu encargo para o bem da cristandade e do mundo.
O professor Ratzinger é um pensador brilhante, que teve de superar os problemas da sua época como docente universitário, compreendendo-a melhor do que qualquer outro e, por isso, sem nenhuma tendência a transigir sobre as coisas fundamentais. De fato, como professor da Universidade de Bonn, foi desenvolvendo em suas conferências tudo o que mais tarde constituiria a Introdução ao cristianismo, obra que o fez conhecido não apenas no ambiente acadêmico mas também por aqueles que, chamados a participar do Concílio Vaticano II, procuravam conselheiros e peritos que soubessem realmente ler os sinais dos tempos e discerni-los por meio da Palavra de Deus e do magistério. De fato, o cardeal Frings, da arquidiocese de Colônia, levou-o consigo ao Concílio Vaticano II, deixando generosamente que todos soubessem que seu pensamento nascia dos diálogos com esse jovem teólogo, daquilo que alguém definiu “audácias menores de quarenta anos”, que não são comuns nos ambientes tradicionais, onde as instituições se movem – quando o fazem – lentamente, para depois continuar seu repouso.
O jovem pensador soube dar sua contribuição, e qualquer um que leia os documentos promulgados pelo Concílio sabe que lá estão traços que hoje reconhecemos com facilidade nos passos que Bento XVI deu em seu já fecundo pontificado. Que Deus se manifestou mediante Jesus Cristo é uma das idéias-força de seu pensamento teológico e de sua vida pessoal, como também de seu serviço pastoral, quando era arcebispo de Munique. Habituado como bom teólogo a ir mais a fundo, ele desenvolveu com a maior sensibilidade o tema da justiça, afirmando em muitas ocasiões que na história “Deus nunca esteve do lado das instituições, mas sempre e em cada momento ao lado daqueles que sofrem e de todos os que são perseguidos”.
De fato, sua primeira cátedra universal importante foi o Concílio, e eu ousaria dizer que as universidades de então se privaram de receber, na serenidade do pensamento e da reflexão, os ensinamentos e as intuições que esse pensador, já grande naquele tempo, teria podido oferecer. Bonn foi apenas preliminar ao Concílio, e Ratzinger logo passou, ainda que por períodos de diferente duração, pelas Universidades de Münster e Tubingen antes de chegar finalmente a Regensburg, sua última contribuição como catedrático universitário.
Permanece a questão da aparente pouca consideração pela cátedra de Ratzinger na Alemanha. Apreciado pelos padres conciliares e pela crítica mundial, que via nele o pensador de Deus, os jovens de 1968 não estavam dispostos nem a ouvir nem a discutir, exaltando apenas aqueles que correspondiam a suas palavras distantes dos valores e revestidas de slogans que depois se difundiram por todo o mundo da cultura e pelo da sua negação.
O que não quer dizer que o movimento de 1968 tenha sido privado de significado. O que queremos dizer é que aqueles que organizaram a sua chegada aos meios de comunicação o apresentaram como intolerante e, por meio dessa operação, fundaram o “relativismo moral” no qual estamos mergulhados. Na universidade, muitos foram os catedráticos que tiveram de se virar, tanto para sobreviver àqueles tempos quanto por não saberem reconhecer o momento nem uma possível via de saída. Na realidade, transigiram, e hoje lamentam tê-lo feito, e seus filhos não entendem por que os pais foram condescendentes em suas posições.
O professor Ratzinger esteve entre aqueles que não transigiram, entre os que se opuseram ao barulho feito por algo que era interiormente vazio, e que representava, portanto, um perigo.
Quem quiser compreender a luta do Papa Bento XVI contra o relativismo terá de voltar atrás e entender o que aconteceu no pensamento de 1968; outros terão de medir as conseqüências de ter desejado mesclar o pensamento do Concílio, um pensamento cheio de fé, esperança e amor, ao pensamento de 1968, privado de sentido, o que equivale à negação da fé, da esperança segura e da caridade.
Tomar distância, não negociar sobre o que não era negociável, preocupar-se em não transigir foram atitudes que levaram Ratzinger a aprofundar a Escritura, a intensificar as conferências, nas quais desenvolveu uma capacidade didática tal que lhe permitiu ser entendido sem equívocos, coisa que lhe valeu o epíteto “boca de ouro”. Assim, distanciou-se da revista Concilium e colaborou na criação da revista Communio, além de saber fazer-se entender a respeito das coisas com que concordava e com que não concordava.
A Providência havia preparado uma cátedra para a sua fidelidade, a da arquidiocese de Munique e, logo depois, a da Congregação para a Doutrina da Fé, que ele criticara, com a liberdade dos filhos de Deus, no tempo do Concílio, quando era guiada por um dos cardeais mais importantes, Alfredo Ottaviani.
Bento XVI durante a celebração eucarística na solenidade dos santos apóstolos Pedro e Paulo, em 29 de junho de 2005

Bento XVI durante a celebração eucarística na solenidade dos santos apóstolos Pedro e Paulo, em 29 de junho de 2005

Todos acreditavam que o caminho do cardeal, professor Ratzinger, ter-se-ia concluído com esses quase vinte e cinco anos de direção da Congregação fundada pelo papa Paulo III. Era uma tarefa realizada por alguém que, como consultor-especialista no Concílio, tinha o encargo de tomar conta do tesouro doutrinal da sua Igreja. Era uma vida realizada, objeto de inveja sadia, merecedora de repouso, já digna de entrar para a história com todos os direitos.
Mas Deus vai sempre além e, ao final dos vinte e cinco anos de trabalho leal e altamente qualificado ao lado do Papa João Paulo II, chamou-o a ocupar a Cátedra de São Pedro, dando dessa forma anuência a seu pensamento teológico, a esse homem de Deus que nos séculos XX e XXI retoma Santo Tomás de Aquino, Santo Agostinho e tantos outros que foram as luzes que tornaram possível a presença desse farol doutrinal de pensamento seguro, de palavra clara, de valores certos, de fé sincera e, sobretudo, de amor e esperança invencíveis.
O Papa completa oitenta anos, é verdade, mas é de se esperar que o que celebramos não seja apenas a sua vitalidade biológica, mas, ao lado dela, a capacidade de guiar a Igreja e o mundo “fazendo-se ao largo” num momento decisivo no qual é necessário saber para onde se vai, por que se caminha e quais são os riscos que devem ser corridos. Já celebramos o segundo ano de um pontificado de estilo pessoal, que desconcertou a todos os que pertencem a este ambiente e também aos que lhe são estranhos, que acreditavam esgotadas suas capacidades de surpreender.
Da cátedra do Concílio à Cátedra de Pedro. É assim que se pode resumir o início deste Papa que o Espírito de Deus nos concedeu. “Benedictus qui venit...”, cantamos todos, com a certeza de que estamos recebendo o Senhor Jesus Cristo e seu Vigário, que nos chamam a continuar na missão e a levar adiante a maravilhosa loucura da cruz. Ad multos annos, Santo Padre!


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