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OS 27 CARDEAIS
Extraído do número 03 - 2007

O Papa do essencial



do cardeal Jean-Louis Tauran



Tendo tido o privilégio de participar ao conclave que elegeu Joseph Ratzinger à Sé de Pedro, recordo do pensamento que me distraía enquanto esperava, na fila dos cardeais, para jurar obediência ao novo Pontífice: “Toda uma vida, moldada por Deus, para chegar ao supremo pontificado!”.
O que impressiona neste Papa é o seu estilo: um sorriso, um olhar cheio de bondade, iluminado pela interioridade, pela serenidade de um cristão consciente de ter aceito uma missão vinda do alto, e pela qual recebe as graças necessárias. Em Bento XVI não há nenhuma pretensão: desde o início do seu pontificado, pediu as orações de todo o povo cristão para que Deus lhe ensine “a amar cada vez mais o seu rebanho”, e desejou que “o Senhor nos guie e nós aprendamos a guiar-nos uns aos outros”. É um Papa que deseja que todos descubram que o cristianismo é uma boa notícia para o mundo de hoje: “Cada um de nós é fruto de um pensamento de Deus […] cada um de nós é amado, cada um de nós é necessário”.
Parece cada vez mais como o herdeiro do grande papa João Paulo II, do qual foi o conselheiro fiel e ouvido; como ele, na primeira homilia do seu pontificado, clamou: “Não tenhais medo” e acrescentou: “Cristo não tira nada, ele dá tudo”.
A sua humildade, a sua piedade, a sua atenção às pessoas são completadas por uma visão precisa da sua missão. No dia 20 de abril de 2005, poucas horas depois da eleição, na Capela Sistina, na sua primeira mensagem pública e solene, expôs em latim aos cardeais que o tinham eleito os principais pontos do seu programa: “Fidelidade ao Concílio Vaticano II; colegialidade; ecumenismo; diálogo com as várias civilizações; serviço à paz; atenção aos jovens”. Mas, alguns dias depois, em 24 de abril, por ocasião da missa de início solene do seu ministério petrino, Bento XVI precisou na homilia: “O meu verdadeiro programa de governo é não fazer a minha vontade, não perseguir idéias minhas, pondo-me contudo à escuta, com a Igreja inteira, da palavra e da vontade do Senhor e deixar-me guiar por Ele, de forma que seja Ele mesmo quem guia a Igreja nesta hora da nossa história”. Diria que foi fiel a esta visão.
Se João Paulo II deu um particular relevo à imagem do papado, Bento XVI convida todos a descobrir, a aprofundar a realidade da Igreja como comunidade de fé e de caridade. E o faz graças ao seu carisma pessoal de grande teólogo. Ele dá prioridade à pedagogia da fé; fez com que o Catecismo da Igreja Católica fosse publicado em versão abreviada para se tornar acessível ao grande público. E talvez seja este o ponto fundamental da sua ação: transmitir em toda a sua integridade o conteúdo da fé, para que todos os batizados antes de tudo estejam dispostos a viver em verdade e em profundidade a sua fé, e ao mesmo tempo justificar a esperança que está neles (cfr. 1Pd 3, 15). Lembro-me que alguns meses depois do início do seu pontificado, uma senhora muito simples parou-me na rua para me dizer: “Padre, o senhor sabe que este Papa é formidável? Ele diz coisas muito profundas, mas nós entendemos tudo!”. Creio que esta observação sintetize perfeitamente o modo com o qual Bento XVI desenvolva o seu ministério.
Conhecedor da cultura contemporânea, o nosso Papa avalia a sua fragilidade e as contradições, e como um pai, faz todo o possível para dar aos filhos as referências espirituais de que necessitam; propõe ao mundo de hoje motivos para viver e para escolher. Enquanto muitos são vítimas da frenesia de atividades, de informações, que muitas vezes são obstáculos à vida interior, Bento XVI ajuda-nos a voltar às fontes da fé, como fez com a sua primeira encíclica, Deus caritas est, e recentemente com a exortação apostólica pós-sinodal sobre a Eucaristia.
Em um certo sentido pode-se dizer que é o Papa da Tradição, a tradição entendida não como “conservar”, mas como “transmitir” (do latim tradere).
São Bernardo, aconselhando um seu discípulo que se tornou papa (Eugênio III), dizia-lhe que a Igreja devia viver ante et retro oculata, ou seja, com um olhar dirigido ao passado e um olhar dirigido ao futuro. Eis o que o nosso Papa nos ajuda a fazer, convidando-nos sempre a olhar Cristo, estarmos atentos para não desnaturar a grande herança da fé, e sermos homens e mulheres do essencial, para que a Igreja seja realmente sacramento de salvação para a humanidade e possa “tornar visível o ‘sim’ extremo de Deus ao homem e à vida” (IV Congresso Nacional da Igreja italiana, Verona, 19 de outubro de 2006).
Queira Deus conservá-lo ainda por muito tempo chefe da Igreja, para que guie todos nós na íngreme estrada da nossa peregrinação!


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