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OS 27 CARDEAIS
Extraído do número 03 - 2007

Um magistério necessário



do cardeal Agostino Vallini



Quando eu era criança, o pároco da minha cidade dizia que Deus manda os papas segundo os tempos. Uma verdade teologicamente exata por mais de uma razão e que me veio em mente dia 19 de abril de dois anos atrás, quando o cardeal protodiácono, da “loggia” de São Pedro, com o solene anúncio habemus Papam, comunicava à Igreja e ao mundo que o Papa, justo para este nosso tempo, chamado a suceder João Paulo II, tinha sido escolhido por Deus e chamava-se Bento XVI. Na verdade para mim não foi uma surpresa: o fato de conhecer anteriormente o cardeal Ratzinger, a admiração pelo seu estilo delicado e amável de relacionar-se com as pessoas, a leitura de algumas suas obras teológicas, tinham-me predisposto a considerar que o novo papa teria que ser ele. Lembrei-me logo do ensinamento do meu antigo pároco e agradeci a Deus: se ele o tinha escolhido era o que se precisava. Esta percepção imediata, arraigada na fé, teve sua confirmação com os fatos. Lembro-me apenas de alguns.
Inicialmente o seu compromisso pela plena atuação do Concílio, com o responsável e objetivo esclarecimento do conceito de “recepção” do patrimônio doutrinal e disciplinar. Que o Concílio Vaticano II tenha sido uma imensa graça para a Igreja pode-se dizer que é universalmente reconhecido, mas “ninguém pode negar” , disse o Papa no seu discurso à Cúria Romana por ocasião das primeiras felicitações natalinas (22 de dezembro de 2005), “que, em vastas partes da Igreja, a recepção do Concílio teve lugar de modo bastante difícil” por uma errada interpretação. À “hermenêutica da descontinuidade e da ruptura”; Bento XVI contrapôs “a hermenêutica da reforma”, ou seja, da renovação na continuidade, porque a Igreja permanece sempre a mesma, embora cresça no tempo e se desenvolva como povo de Deus a caminho na história. Uma colocação oportuna, aliás, necessária, que ajudou todos, pastores, teólogos, operadores eclesiais e fiéis, a caminharem na direção do autêntico espírito conciliar.
Um segundo aspecto do magistério de Bento XVI parece-me também claro e fecundo. No contexto cultural que hoje vivemos, marcado por uma situação de dispersão espiritual, por falta de confiança na verdade objetiva e por acentuado individualismo, o Papa, desde os seus primeiros pronunciamentos, mostrou a preocupação de oferecer motivações claras e persuasivas para crer. A Igreja hoje se encontra diante de um grande desafio: como renovar a sua pastoral? Como formar os já batizados para que a fé torne-se luz e força alegre de vida? A formação que geralmente é colocada em campo pelas paróquias requer uma nova reflexão; o catecismo por ocasião do sacramento da iniciação cristã e a pregação dominical a um número baixo de praticantes são inadequados e insuficientes. Para muitas pessoas, mesmo as que se declaram cristãs, os valores da fé e da moral, se não são removidos positivamente, ficam no fundo, e julgando pelos comportamentos, parece que se tornam inócuos. Nestes dois primeiros anos de pontificado, o Papa estimulou e encorajou para que se pense em métodos e formas da ação missionária da Igreja, para que Deus não fique excluído da vida das gentes, da cultura e da própria sociedade.
Foi justamente dito que o magistério de Bento XVI gira com freqüência ao redor de três pontos: fé, razão, amor. Este é um terceiro aspecto, no qual o Papa se impôs à atenção pela clareza do pensamento e o rigor de argumentos convincentes. Convicto que fé e razão sejam complementares com relação à verdade e à salvação, querendo sacudir do torpor intelectual e moral principalmente o Ocidente, o Papa estimula para que fé e razão movam-se em unidade, sem exclusões recíprocas. “Deus não se torna mais divino”, disse no famoso discurso na Universidade de Regensburg, em 12 de setembro de 2006, “pelo fato de O afastarmos para longe de nós num voluntarismo puro e impenetrável, mas o Deus verdadeiramente divino é aquele Deus que se mostrou como logos e, como logos, agiu e age cheio de amor em nosso favor”. E ao tema do amor, como se sabe, dedicou a sua primeira encíclica, Deus caritas est. As implicações concretas deste trinômio no plano ético e moral são evidentes e o Santo Padre não deixou de recordá-las, motivá-las, reforçá-las, defendê-las. A defesa e a promoção da vida humana, do matrimônio, da família, da educação das novas gerações, da paz, são temas recorrentes do seu ensinamento. Propôs e propõe estes temas todos os dias por fidelidade a Cristo e ao homem. E as pessoas apreciam muito isso. Basta pensar ao espontâneo encontro dominical do Angelus , que não é organizado por nenhum departamento do Vaticano, e que reúne na Praça de São Pedro milhares e milhares de pessoas, atraídas pela sua palavra breve, clara, incisiva, que leva à reflexão e fica no coração. Alguns meses atrás na Via della Conciliazione, um senhor de meia idade parou-me e disse: “O senhor é um padre, permita que eu lhe diga uma coisa importante”. “Pode dizer”, respondi com um sorriso encorajando-o. “Sinto-me arrependido por ter-me afastado da Igreja; mas já há algum tempo não posso deixar de vir aqui todos os domingos, ao meio-dia, para ouvir as palavras do Papa, porque ele me diz a verdade”.
Ao Santo Padre por ocasião do seu octogésimo aniversário, garantimos a nossa oração e damos os nossos parabéns devotos e filiais. Ad multos annos!


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